INQUILINOS

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Não paravam de agradecer a Deus, todos os santos, às boas energias, ao universo e a qualquer outro representante de alguma crença. Claudete e Batista não acreditavam! Tinham saído do Condomínio Vitória, no Jardim da Viga, em Nova Iguaçu, para morarem no luxuoso Le Parc, na Barra da Tijuca.

De verdade, gostavam muito do seu "cantinho", como chamavam o antigo apartamento, mas conseguir um aluguel por menos da metade do preço, em um bairro dos sonhos, parecia algo de outro mundo! Estavam radiantes!

A mudança transcorreu muito bem e houve até festa de despedida em um espaço de eventos, tradicional do município – o Salão Wilson, com direito a um discurso meticulosamente preparado por Claudete, uma excelente oradora. O casal, muito querido, completava 20 anos de convívio e deixou saudades entre os amigos e parentes.

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Na primeira semana já estavam aproveitando as ofertas da nova moradia: piscinas de resort, salões de jogos, SPA, e Batista, gerente do conhecido restaurante "Rei dos Frangos Marítimos", no Centro da cidade, tinha até planos de comprar raquetes para jogar tênis na quadra de saibro do local.

Na segunda semana a dona do apartamento, Dona Rose, ligou para o casal a fim marcar uma visita. Gostaria de falar-lhes sobre uma proposta irrecusável para um futura compra do imóvel. Marcaram um chá para quinta-feira às 17h.

Claudete e Batista, mais uma vez, estavam em polvorosa. A sorte tinha de novo batido em sua porta. Mal acabaram de alugar o apartamento e a dona ia lhes oferecer uma compra facilitada. "Que benção!" – pensaram.

Ficaram muito ansiosos durante os dias que antecederam a data do encontro.

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Na quinta-feira, propriamente dita, a residência estava um "brinco" já na hora do almoço.

Claudete ficara sozinha em casa e Batista a encontraria após o trabalho, em torno das 16h.

A fim de se acalmar até a chegada do marido, Claudete foi para o quarto do casal, deitou-se na cama e ligou a TV. Queria distrair-se com seus programas de culinária. Foi quando começou a ouvir uma fraca voz masculina. A princípio achou que o sussurro vinha da TV, mas ao desligar o volume continuou a ouvir o barulho.

Intrigada, procurou em todos os cantos: foi até a sala, abriu a porta principal, a de serviço, mas nada encontrava, até que localizou sua origem: vinha de uma caixa de sapatos guardada dentro do seu armário.

Abriu-a com toda curiosidade do mundo e quase caiu para trás quando viu um diminuto ser humano dentro da mesma. Ele lhe falou com rapidez:

– Dona Claudete: não temos tempo a perder. Me chamo Ubirajara Coelho Lucena, mas todos me chamam de Biriba. Como encolhi? Como estou aqui? Muito simples! Sabe porque vocês alugaram este apartamento tão barato?

– Sim... Não... Quer dizer... – respondeu Claudete muito nervosa.

– Imagino que você esteja em choque em me ver, mas saiba: também fui inquilino aqui. O aluguel do apartamento custa menos da metade do preço, não é? Isso, juntamente com a história da proposta de venda, é uma artimanha da Dona Rose, a proprietária!

– Como assim? – perguntou Claudete quase histérica.

– Ela é uma bruxa! Uma bruxa de verdade! Às 17h chegará aqui para o tal "chá". Vai lhes contar um monte de mentiras e lhes oferecer uma bebida especial de ervas. Diz cultivá-las no seu sítio em Teresópolis. Mentiragem! Quando vocês beberem vão ficar iguais a mim. É uma poção de encolhimento! – relatou Biriba.

– Não é possível! Mas como isso acontece? Por que ela faz isso?

– Ela coleciona os inquilinos! Dentro de um de seus apartamentos a velha tem uma maquete gigantesca. Uma réplica de uma cidade. Tudo envolto em uma redoma de vidro. Seu hobby é ver nossas vidas acontecendo lá dentro.

– Ué? E como você está aqui?

– Minha família foi levada! Eu escapei. Ela achou que eu tinha sido comido pelo nosso gato – Tonton, que a bruxa depois transformou em tamborim, sem misericórdia. Ela me deu como morto.

Só que durante este tempo, até a chegada de vocês, fiquei por aqui comendo migalhas, bebendo água da chuva, escapando de insetos e esperando alguém chegar para me salvar, a minha família e todos os demais presos por esta megera!

– Que horror! E o que podemos fazer? Preciso contar tudo para o meu marido!

– Eu tenho um plano! – disse Ubirajara.

O pequeno contou todo seu projeto para Claudete. Ela ouviu com muita atenção.

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Assim que Batista chegou, ela lhe relatou tudo e lhe mostrou Biriba, quase matando o homem do coração. A situação era inacreditável, mas tinham que agir antes de virarem objeto de colecionador.

17h em ponto Dona Rose bateu à porta. Extremamente cordial, elogiou a decoração do apartamento, o bom gosto e a educação do casal. Contou um pouco da sua vida, de como era difícil lidar com a viuvez e de seus novos e recentes planos. Tudo transcorreu como havia previsto Biriba e, finalmente, chegou o momento de retirar da bolsa o saco de ervas e oferecer-lhes o chá especial.

Foi aí que Batista entrou em cena. Esperou-a virar de costas e deu três pancadas em sua cabeça com um porrete de madeira. Rose não teve nem tempo de identificar o que a atingiu. Caiu "mortinha da Silva".

Biriba apareceu e logo tomou à frente, dizendo:

– Não acredito! Vamos salvar todo mundo! Esta desgraçada nunca mais vai encolher ninguém. Que o diabo a tenha! Vamos pro apartamento onde estão os inquilinos! Peguem a chave em sua bolsa!

O casal obedeceu sem pestanejar. Batista colocou o pequenino no bolso da camisa e se dirigiram para outro bloco do condomínio. Lá chegando, Claudete abriu a porta do esconderijo e ela e Batista contemplaram o esplendor daquela cidade criada para ser habitada por seres humanos encolhidos. Estava tudo lá: prédios, carros, praças, casas, comércio e gente convivendo. Era de uma beleza incrível!

Batista tirou Biriba do bolso e o colocou dentro da redoma com todo cuidado. Todos que nela estavam enlouqueceram com o acontecimento, principalmente com o reencontro do foragido com sua família.

De dentro da cidade Biriba gritou para o casal:

– Batista! Claudete! O plano deu certo! Na dispensa ela tem chá encolhedor para anos e anos e também o antídoto. Agora é só vocês providenciarem tudo para voltarmos ao normal. Depois ajudamos a sumir com o corpo da bruxa.

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Claudete estava com um olhar diferente. Parecia enfeitiçada pela beleza daquela construção e seus habitantes. O mesmo se dava com Batista. Hipnotizados, se entreolharam e balançaram as cabeças, ao mesmo tempo, em um gesto de acordo.

– Pera aí! O que vocês estão pensando? Não! Não pode ser isso! – perguntou Biriba, em tom de desespero.

– Adoramos tudo, Seu Biriba! E sabe de uma coisa? Agora nós é que, além de não pagarmos mais aluguel, também seremos colecionadores de gente pequena! Eles não são muito fofos, Batista?

– Muito! Muito, meu amor! – respondeu o marido.

– Estou feliz demais com nossa nova aquisição! – disse a mulher sob os olhares incrédulos e desesperançosos dos minúsculos habitantes daquela cidade, cuja placa de boas-vindas em sua entrada continha os seguintes dizeres:

"Sorria! Você está na Mini Barra da Tijuca!"

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HISTÓRIAS ICÔNICAS  DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1Onde histórias criam vida. Descubra agora