CONTROLE REMOTO

98 12 10
                                    

O relacionamento ia de mal pior. Heloísa falava "A" e Guilherme "B".

Os sorrisos acabaram, carinhos eram atos de coragem e sexo um verdadeiro acontecimento. Volta e meia trocavam algumas palavras, mas o certo mesmo era o desentendimento.

Por sorte Guilherme tinha uma rotina de viagens profissionais – um verdadeiro alívio conjugal.

Por azar, naquele final de semana de abril, calhou de estarem juntos em casa. Sentados no sofá, eram o tédio absoluto, em frente à televisão, no mais "cretino dos túmulos".

Guilherme tinha a posse do controle remoto e trocava ininterruptamente de canal, enquanto Heloísa permanecia imóvel. Uma "morta viva" que mal se importava com as imagens.

O marido sintonizou no Discovery Channel. Um documentário sobre povos indígenas da América deixou-o interessado. Prestava bastante atenção quando uma flecha disparada de um corpulento índio saiu da tela e atingiu-lhe o coração. Ele berrou de dor, o ar lhe faltou e foi a óbito em pouco tempo, espalhando uma poça de sangue.

A mulher gritou, incrédula no acontecimento, enquanto a programação da TV seguia. Tentou reanimar o marido, tirar a flecha, estancar o sangue, mas não havia nada mais a ser feito.

Seguiu histérica, o que pôs a vizinhança em alerta. Imediatamente tomaram como providência chamar a polícia, pois achavam se tratar de uma violenta briga conjugal.

Minutos depois calou-se. Sentiu-se aliviada.

Na sinceridade de seus pensamentos, passado o susto e a incredulidade do ocorrido, no fundo, estava livre daquele a quem chamava de "traste". Só havia um problema: como explicar aos vizinhos, parentes e autoridades esta morte surreal?

Ficou nervosíssima! Seria culpada de um crime que não cometeu!

– Foi o índio! Foi o maldito do índio! – berrava sozinha, enquanto tremia feito vara verde.

Bateram na porta com toda força e uma voz grave se fez presente:

– Abram! É a polícia!

Heloísa, transtornada, não tinha solução para aquele imbróglio.

Em um ato de desespero "nonsense" deitou-se novamente no sofá, pegou o controle remoto e sintonizou em um canal de variedades – um número de um Atirador de Facas estava sendo exibido. Decidiu: permaneceria daquele jeito, naquela posição, imóvel e fixada na tela até sua prisão.

Os policiais tiveram certo trabalho, mas passados 20 minutos conseguiram arrombar a porta. Depararam-se com uma cena desoladora descrita em detalhes pelo detetive Leonel em seu relatório final:

"... e concluo que o casal encontrado morto, ele com uma flecha no peito, ela com várias facas cravadas pelo corpo, praticou suicídio premeditado em comum acordo. Estranhamente fizeram questão de deixar em sua TV imagens em loop de seu casamento, lua de mel e diversos outros momentos importantes e felizes de suas vidas."

§§§

HISTÓRIAS ICÔNICAS  DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1Onde histórias criam vida. Descubra agora