Cada uma chegou em seu próprio transporte especial. Era noite de comemoração e convencionaram ter tudo do bom e do melhor. Organizaram todos os detalhes do encontro com bastante antecedência.
Alice, Lana e Patrizia eram ex-bailarinas. Sua última apresentação aconteceu há 15 anos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Juntas viveram muitas histórias, alegrias, tristezas e viagens mundo afora, sempre fazendo o trabalho com amor.
"Aposentadas", não podiam deixar de comemorar esta importante data no melhor estilo. Esta era a oportunidade de estarem juntas e estamparem sorrisos, relembrando velhos e bons momentos que pareciam ter acontecido ontem.
O local da celebração foi o Paradise – um lindo recanto escondido no meio de Vargem Grande no Rio de Janeiro.
Tratava-se de uma casa particular pertencente a um norueguês chamado Jakob. De gostos refinados, o gringo começou a abrir sua residência para jantares de pessoas selecionadas uma vez por semana. Lá havia um cardápio de comes e bebes de primeira linha à disposição.
Não foi fácil conseguirem uma reserva na casa. O bailarino brasileiro Tiago Soares ajudou e foi intermediário neste contato, garantindo assim o importante acontecimento para uma noite de sábado.
A conversa foi regada à champagne Taittinger e um jantar incrível, que incluiu, dentre outras maravilhas, até caviar Esturjão Beluga.
Muitas vezes os olhos de cada uma se enchiam de água em meio à tantas lembranças genuínas, enquanto se ofereciam este presente.
Por volta de 1h da manhã já estavam "pra lá de Bagdá", mas não queriam que aquela noite acabasse. Através de um simpático e educadíssimo garçom, chamado Mesquita, receberam a dica sobre um "Coffee Shop", no melhor estilo "Amsterdam", localizado do outro lado da estrada. Foram alertadas tratar-se de um ambiente diferente mais rústico, mas lá podia-se ouvir música, estar no meio de pessoas, "viajar" e curtir o maravilhoso e quase exclusivo brilho da lua, já que o "Magic Moon" tinha uma localização privilegiada.
Acompanhadas do rechonchudo e careca Mesquita se dirigiram ao bar a fim de garantirem a "saideira".
O garçom as ajudou a atravessar a estrada com segurança e também a conseguirem uma mesa no meio do híbrido público do local.
No som ambiente tocava Bruno Mars e uma nuvem de "maresia" enlouquecia até aqueles que nunca tinham fumado.
Estavam entorpecidas pelo cheiro e por várias cervejas especiais, quando Mesquita – demonstrando certa intimidade – fez uma pergunta:
– Então, moças, se pudessem voltar no tempo, qual seria seu maior desejo?
– Dançar como há quinze anos. Foi nosso auge aquela apresentação! Só que desta vez dançaríamos como se não houvesse amanhã – respondeu Lana, enquanto as amigas concordavam com a cabeça.
– Que assim seja! – bradou Mesquita!
A mesa dos quatro foi banhada pela luz da lua. As moças fecharam os olhos com a intensidade do brilho. Ao enxergarem novamente, não conseguiam acreditar no que contemplavam: estavam com suas roupas de balé e todos à volta vestiam trajes de gala e as observavam.
O garçom, agora trajado de fraque e portando bengala e cartola, falou aos presentes:
– Senhoras e senhores: tenho o prazer de lhes apresentar, com a benção desta lua, as maiores bailarinas do Brasil, quiçá do mundo. Com vocês as incomparáveis: Alice, Lana e Patrizia!
Uma salva de palmas aconteceu e, sem pestanejar, as amigas se dirigiram ao centro do bar, iniciando um maravilhoso espetáculo, acompanhadas de uma mini orquestra formada naquele momento para lhes dar suporte.
Cada passo, cada movimento, cada gesto, deixava o público mais e mais embasbacado. Foram horas e horas de dança, mas ninguém, nem as artistas, nem sua plateia, se cansavam.
O ápice aconteceu quando várias luzes surgiram e as bailarinas dançaram flutuando para a surpresa e deleite dos presentes.
Alice, Lana e Patrizia se entregaram à realização do seu pedido. Viviam aquele sonho sorrindo e chorando ao mesmo tempo, com os entusiastas aplaudindo de pé sua leveza, perfeição, voos e a magia da apresentação.
§§§
No dia seguinte Patrizia foi a primeira a acordar com os raios de sol em seu rosto. Percebeu que estava deitada no chão, assim como as amigas, ainda adormecidas.
Chamou-as pelos nomes.
De forma bem lenta foram abrindo os olhos e ajeitando os corpos castigados pela grama.
Se assustaram ao olharem ao redor e perceberem que o "Magic Moon" não estava mais lá. Teria tudo aquilo sido um sonho? "Não era possível" – pensaram.
Não havia sinais de Mesquita.
A casa-restaurante do norueguês, do outro lado da estrada, estava com todos os portões fechados e com aspecto de abandonada.
Foi então, que com muita dificuldade, conseguiram se reerguer. Patrizia subiu em sua cadeira de rodas, Alice, que não tinha uma perna, pegou sua muleta e, por fim, Lana recolocou seu braço mecânico no lugar.
Há quinze anos, após sua apresentação mais memorável, no auge da carreira, as talentosas bailarinas tinham ido ao restaurante La Fiorentina, no Leme, para comemorar. Ao saírem, resolveram atravessar a Avenida Atlântica para apreciarem a bela lua, quando foram atropeladas por um carro em alta velocidade. O motorista não parou ou prestou socorro. Todas elas ficaram deficientes e tiveram seus sonhos interrompidos.
O condutor do veículo nunca foi achado. Soube-se apenas, pelo depoimento de testemunhas, ser alguém do sexo masculino e com certas características físicas marcantes: rechonchudo e careca.
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HISTÓRIAS ICÔNICAS DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1
General FictionEste livro é um conjunto de 10 contos surreais/fantásticos. Sinopse: Existem mundos dentro de mundos: universos paralelos e multiversos, que se entrelaçam. "Histórias Icônicas de um Universo Surreal", em seu primeiro volume, contem 10 contos fantás...