NO MUNDO DA LUA

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Sua história com a lua começou ainda na barriga da mãe, quando seu nome de batismo foi escolhido: Luna. Do nascimento aos dias de hoje, adquiriu uma paixão fora do comum pelo satélite da terra. Sabia tudo sobre suas fases, sua mitologia, sua geografia e devorava todas histórias e notícias que conseguia. Muitos diziam que ela vivia no mundo da lua. E, cá entre nós, adorava ouvir isso!

Cresceu em uma casa humilde, no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro. O pai era um homem casado e logo quando soube que a mãe, sua amante, estava grávida, deu no pé e nunca mais apareceu. A mãe, Dona Adalgisa, fez das tripas coração para criar a filha sozinha. Foram muitas faxinas todos os dias para custear a educação, a vestimenta e colocar comida na mesa. Aos 55 anos, não teve mais forças em sua luta contra um câncer e faleceu, deixando para a herdeira, além de ensinamentos, a casa onde moravam.

Luna, mesmo triste e muito sozinha, seguiu em frente. Desde que completara o Ensino Médio já trabalhava e, após a morte da mãe, apesar de viver sempre apertada, tinha o suficiente para a subsistência.

Acordava todos os dias às 05h da manhã, pegava sua condução e partia para a empresa onde trabalhava há cinco anos - era Auxiliar de Operações na fábrica do Café Cabedal, em Bonsucesso. Trabalho árduo e monótono, que se estendia por todo o dia. Lá, além das suas atribuições, ainda tinha que aturar grosserias de um chefe chucro, que implicava com ela o tempo todo.

Em geral, ao cair da noite ainda estava na jornada da volta para casa, enfrentando as conduções lotadas do horário de rush da cidade. Chegava exausta, tomava banho, fazia seu jantar, assistia sua novela predileta, algum reality show – quando conseguia - e ia para cama dormir.

Esta rotina sempre se repetia, mas não sem antes ir para o maltratado quintal, onde conversava com seu único e maior amor da vida: a lua. A ela contava sobre suas dificuldades, seus percalços, seu dia a dia, seus sonhos... Temas banais e coisas muito sérias permeavam os assuntos. Acreditava que recebia conselhos, que a ajudavam a guiar sua vida.

§§§

Era noite de sábado, no mês de fevereiro. Luna tinha aproveitado a manhã para arrumar a casa. À tarde foi ao mercado e ao retornar, dormiu até o anoitecer. Ao acordar, fez um jantar caprichado e se permitiu tomar uma latinha de cerveja. Depois ligou a TV e assistiu pela "milionésima vez" o DVD de um dos seus filmes prediletos: Titanic.

Ficou com sono, mas antes de desabar na cama, foi cumprir seu ritual de falar com a lua:

– Minha querida! Fiquei tão romântica hoje! Este filme me deixa sensível e ainda mais apaixonada por você! Queria ter muito dinheiro para comprar um monte de DVDs e ficar sempre com sorriso no rosto!

– Adoro este sorriso! Você fica linda demais com ele! Vou atender ao seu pedido! Pegue papel e caneta! – falou uma voz meiga e suave.

Luna achou que estava ouvindo coisas. Não era possível que uma lata de cerveja causasse tanta alteração. Ficou intrigada e voltou a falar:

– Eu ouvi isso mesmo ou tô maluca?

– Sim. Você ouviu, claro! Não falas comigo todos os dias? Cansei de ficar em silêncio!

Após ter percebido claramente que a lua falava com ela, Luna sentiu-se assustada. Logo após, resolveu tratar o fato com normalidade. Foi ao quarto, pegou papel e caneta, voltou para o quintal, olhou para cima e disse:

– Pode falar, amada!

– Que bom! Que bom que estamos conversando! Vou te passar os números da próxima Megasena. Jogue na segunda-feira! Vai ser a única ganhadora e se tornará rica! Assim você poderá comprar todos os DVDs que quiser e tudo mais que lhe for conveniente. Quero te ver muito; muito feliz! – disse a lua.

§§§

Foi batata! Após a divulgação do resultado do sorteio, Luna era a nova milionária do pedaço. Ela não acreditou no que aconteceu. Parecia que estava vivendo um sonho.

Este sonho se prolongou. Mudou-se de Guadalupe para um condomínio de casas de luxo, na Barra da Tijuca. Comprou um lindo carro rosa, fez investimentos, começou a estudar, a viajar e todos os "ar" que o dinheiro lhe permitia. Conforme o tempo passava, mais sofisticada, bonita e bem cuidada se tornava.

Desde aquele sábado, ela e a lua estavam em um amor só. Conversavam todos os dias sem parar. Luna recebia do nosso satélite natural dicas sobre tudo e nada fazia sem consultar a "amiga". Na verdade, estavam muito apaixonadas e felizes!

Passaram-se anos e tudo ia de vento em popa, exceto a distância que separava Luna e Selene - tinham decidido batizar a lua com um nome próprio e que agradasse a ambas as partes, e Selene foi o escolhido.

§§§

Num domingo, 30 de maio, Luna falou a Selene:

– Selene: você me ajudou a conseguir tudo que tenho na vida. Minha existência se tornou maravilhosa graças a ti, mas para que chegue à perfeição falta estar ao seu lado. Como vamos fazer para vivermos mais próximas?

– Eu sinto o mesmo, minha amada. Vou pensar! Eu juro!

Assim, Luna adormeceu, sonhando em estar ao lado da lua. No dia seguinte, quando voltaram a conversar, Selene já tinha uma solução para o caso:

– Meu amor: eu já sei o que fazer!

– Jura! Me conta! Passei o dia ansiosa! – disse Luna.

– Você vai morrer amanhã!

– Como assim? – perguntou Luna, mudando da alegria para o espanto.

– Não se assuste! Já programei tudo. Amanhã, quando eu aparecer, vou iluminar o local onde você estará. Aí, acontecerá uma fatalidade...

– Você vai me assassinar?

– Não. Haverá um pequeno incidente. Você vai sentir um pouco de dor, claro! Mas depois vai ficar tudo bem. Todos que morrem viram estrelas e já providenciei para que você seja a mais próxima de mim. Não é lindo? Lua e estrela. Selene e Luna. Um amor por toda uma eternidade.

– Selene: esta história é bem esquisita! Quando falei de ficarmos juntas em definitivo não tinha pensado em morrer!

– Já entendi! Você não me ama suficiente!

– Não é isso! Pode parecer fácil para você, mas para mim é bem assustador!

– Eu já marquei tudo! Está feito e não tem como desfazer! Amanhã você morre e ficamos juntas para sempre! Não esqueça que foi um pedido seu! Boa noite!

– Selene...

A lua se calou e Luna não conseguiu dormir! Amava a companheira, mas também amava viver. Um tremendo dilema. Tinha que arrumar um jeito de evitar sua morte. Aí, depois, conversaria novamente com Selene. Chegariam em um denominador comum.

Assim que amanheceu, contratou um "Faz Tudo" para abrir um buraco no jardim do seu imenso quintal. Um pouco antes de anoitecer entrou no buraco, levando consigo um cilindro de oxigênio, se cobriu de terra e lá ficou com o intuito de enganar Selene quanto à sua localização. Escondida desta forma, ela não seria achada, não morreria e no dia seguinte conversariam.

Dito e feito. A lua apareceu, mas não conseguiu achar sua companheira, mesmo com toda magnitude do seu brilho.

Novamente amanheceu, e enquanto o sol começava a mostrar seus raios, Luna saía cheia de terra de seu buraco.

Entrou em casa, tomou um bom e saboroso café da manhã, e pensou em como conseguira escapar da morte. Era bom se sentir viva! Colocou um biquíni e resolveu dar um mergulho em sua piscina. Quando caminhava, olhou para cima e percebeu que o céu estava ficando bem escuro. Se distraiu, escorregou no azulejo molhado e caiu de cabeça no chão, sofrendo traumatismo craniano.

Teve duas paradas cardíacas e, antes de falecer, percebeu que a escuridão se deu por conta de um eclipse solar. Na verdade, ela é que tinha sido enganada. Não contava com uma aparição da lua pela manhã.

Tempos depois, os astrônomos e os mais renomados cientistas ainda buscavam uma resposta para dois fenômenos, que ocorreram no mês de junho daquele ano. O primeiro foi o surgimento de uma estrela, muito brilhante, bem ao lado da lua. O segundo, o porquê do satélite ter ficado no formato de quarto minguante, muito mais tempo do que o normal. Nunca entenderam este "sorriso" duradouro.

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HISTÓRIAS ICÔNICAS  DE UM UNIVERSO SURREAL VOLUME 1Onde histórias criam vida. Descubra agora