A estrada Dawlish era um caminho sinuoso e a tarde parecia feita para os caminhantes... ou foi o que Anne e Lewis pensaram enquanto o percorriam, parando aqui e ali para desfrutar de um repentino vislumbre safira do firmamento entre as árvores, ou para tirar uma fotografia da paisagem ou de uma casinha pitoresca em um vale frondoso. Já não foi tão prazeroso bater nas casas e pedir doações em prol do Clube de Artes Dramáticas, mas Anne e Lewis se revezaram, ele conversando com as mulheres e ela manipulando os homens.
- Aborde você os homens, se for usar essa vestido e o chapéu - aconselhou Rebecca Dew. - Tenho experiência em pedir doações e garanto que quanto mais bem vestida estiver maior será a quantia doada, ou a promessa dela, se você falar com os homens. Porém, se for abordar as mulheres, vista a roupa mais velha e feia que tiver.
- Uma estrada não é algo fascinante, Lewis? - divagou Anne. - Não as retas, mas aquelas com desvios e cantos onde uma surpresa ou algo belo pode estar espreitando. Sempre gostei de curvas nas estradas.
- Aonde esta estrada vai dar? - perguntou o prático Lewis, que naquele mesmo instante estava refletindo que a voz da senhorita Shirley sempre o fazia pensar na primavera.
- Eu poderia ser aborrecida e didática, Lewis, e dizer que ela não chega a lugar algum, que ela fica aqui, mas não o farei e quanto ao local aonde ela vai dar ou leva... quem se importa? Até o fim do mundo, talvez. Lembre-se do que disse Emerson: "Ah, o que eu tenho a ver com o tempo?". Esse é o lema do nosso dia, pois suponho que o universo seguirá seu curso se o deixarmos em paz. Repare nas sombras daquelas nuvens, na tranquilidade dos vales verdes e naquela casa com uma macieira de cada lado. Imagine-a na primavera. Esse é um daqueles dias em que as pessoas se sentem vivas e cada vento que sopra é como um irmão. Fico contente que haja tantas samambaias aromáticas ao longo desta estrada... Samambaias aromáticas com delicadas teias de aranha. Isso me faz lembrar do dia em que fingi, ou acreditei, acho que eu realmente acreditei que as teias de aranha eram as toalhinhas de mesa das fadas.
Eles encontraram uma nascente em um vale dourado e sentaram-se sobre o musgo que parecia feito de minúsculas samambaias para beber de um copo que Lewis fez com uma casca de bétula.
- Você não se dá conta da verdadeira emoção que é beber água até estar sedento e não ter o que tomar - disse ele. - Naquele varão em que trabalhei na construção da estrada de ferro, eu me perdi na pradaria em um dia quente e fiquei vagando por horas. Achei que iria morrer de sede, até que encontrei a cabana de um colono, onde havia um pequeno córrego em meio a um aglomerado de salgueiros. E como eu bebi! Foi então que eu compreendi o apreço que há na Bíblia por um bom gole de água.
- Logo nós vamos tomar água de outro ângulo - disse Anne, apreensiva. - Uma chuva está se aproximando e... Lewis, por mais que eu adore tomar chuva, estou usando o meu melhor chapéu e meu segundo melhor vestido. E não há nenhuma casa a menos de um quilômetro.
- Há uma antiga oficina de ferreiro abandonada logo adiante, mas teremos que correr.
E de fato eles correram, do abrigo apreciaram a chuva da mesma forma que desfrutaram de tudo mais naquela tarde livre e erradia. Um silêncio velado recaiu sobre o mundo. Todas as brisas que sussurravam e farfalhavam tão imponentemente pela estrada Dawlish dobraram suas asas e ficaram imóveis, em silêncio. Nem uma folha se mexia, nem uma sombra dançava. Os bordos no fim da estrada pareciam ter empalidecido de medo, com suas folhas viradas do avesso. Uma sombra fresca imensa parecia tragá-los como uma onda verde e a nuvem os havia alcançado. E então veio a chuva, juntamente com uma rajada de vento. As gotas brincavam sobre a folhagem, bailando pela estrada vermelha e empoeirada e tamborilando alegremente sobre o teto da velha ferraria.
- Se for durar muito... - disse Lewis.
Mas não durou. Tão repentinamente quanto havia começado, a chuva cessou e o sol voltou a brilhar sobre as árvores molhadas. Vislumbres fascinantes do céu azul surgiram por entre as nuvens brancas que se desfaziam. Ao longe, era possível ver uma colina onde ainda chovia, abaixo deles, uma bruma cor de pêssego parecia transbordar do vale. Os bosques ao redor exibiam um brilho primaveril, um pássaro foi ludibriado pelo incrível e doce frescor que o mundo ganhara subitamente e começou a cantar, acreditando que era primavera.
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Anne de Windy Poplars
RandomApós os anos na vida de universitária, Anne agora é diretora da escola de Ensino Médio de Summerside. Com a chegada na nova cidade e o recente cargo conquistado surgem alguns desafios, como a influente família Pringle, que não a quer à frente da esc...