CAPÍTULO 11

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Anne, que corrigia provas no quarto da torre em uma noite de junho, parou para assoar o nariz. Ela já o havia limpado tanto naquele dia que ele estava vermelho e dolorido. A verdade era que Anne estava sendo vítima de uma gripe muito severa e muito pouco romântica. A enfermidade não lhe permitia desfrutar do céu levemente esverdeado atrás das cicutas de Evergreens, a lua prateada logo acima da Rainha das Tempestades, o perfume fascinante dos lilases sob sua janela ou dos lírios azul-claros no vaso sobre a mesma. Obscurecia seu passado e nublava seu futuro.

- Uma gripe em junho chega a ser imoral - disse para Dusty Miller, que meditava no peitoril da janela. - Mas daqui a duas semanas irei para Green Gables em vez de ficar aqui, passando raiva com provas cheias de erros e limpando o nariz. Imagine só, Dusty Miller.

Dusty Miller aparentemente imaginou. Ele também deve ter imaginado que a jovem que vinha cruzando apressada a Rua do Fantasma tinha um aspecto furioso, alterado e destoante do mês de junho. Era Hazel Marr, que voltara no dia anterior de Kingsport, uma Hazel Marr visivelmente muito perturbada, que alguns minutos depois adentrou feito um vendaval o quarto da torre sem esperar por uma resposta à sua batida rápida.

- Ora, querida Hazel... (Atchim!). Já voltou de Kingsport? Pensei que voltaria só na semana que vem.

- Deve ter pensado mesmo - disse Hazel sarcasticamente. - Sim, senhorita Shirley, eu voltei. E o que descobri? Que você tem feito de tudo para tirar o Terry de mim e que quase conseguiu!

- Hazel! (Atchim!)

- Ah, eu sei de tudo! Você disse ao Terry que eu não o amava, que eu queria romper o noivado... Nosso sagrado noivado!

- Hazel... Meu bem! (Atchim!)

- Isso, caçoe de mim... Caçoe o quanto quiser! Mas não tente negar. Você fez isso, deliberadamente!

- Claro que fiz. Foi você que pediu.

- Eu... Pedi!

- Aqui, neste mesmo quarto. Você disse que não o amava e que jamais se casaria com ele.

- Ah, deve ter sido uma coisa de momento. Nunca imaginei que me levaria a sério. Achei que você entenderia meu temperamento artístico. Você é bem mais velha que eu, é óbvio, mas não o bastante para ter se esquecido das coisas insanas que as garotas falam e sentem, você fingiu ser minha amiga!

"Só pode ser um pesadelo", pensou Anne, limpando o nariz.

- Sente-se, Hazel...

- Sentar-me! - Hazel andava freneticamente de um lado para o outro. - Como posso me sentar... como alguém conseguiria se sentar com a vida ruindo ao redor? Ah, se isso é efeito da idade, ter inveja da felicidade dos mais jovens a ponto de querer destruí-la, eu rezarei para nunca ficar velha.

Anne foi acometida por um estranho e súbito desejo primitivo de dar um tabefe na orelha de Hazel. Reprimiu-o tão prontamente que nunca chegou a acreditar que de fato lhe ocorreu. Mesmo assim, ela achou que um castigo suave e gentil era indicado.

- Se não consegue sentar-se e conversar com sensatez, Hazel, gostaria que fosse embora. (Um atchim muito violento.) - Estou ocupada. - E fungou repetidas vezes.

- Não vou embora até dizer tudo o que penso sobre você. Ah, sei que a culpa é minha, eu deveria saber, eu sabia. Soube instintivamente, no instante em que a vi, que era perigosa. Esse cabelo vermelho e esses olhos verdes! Porém eu jamais teria sonhado que você chegaria ao ponto de se meter entre Terry e eu. Achei que era uma cristã, pelo menos. Nunca ouvi falar de um cristão fazendo uma coisa dessas. Bem, você partiu meu coração. Espero que esteja satisfeita.

Anne de Windy PoplarsOnde histórias criam vida. Descubra agora