- Sou tão diferente - suspirou Hazel.
Era muito ruim ser discrepante dos outros e maravilhoso, ao mesmo tempo, como se fosse originário de outro planeta. Por nada no mundo Hazel preferiria pertencer ao rebanho dos comuns, não importava o quanto sofresse por ser tão distinta.
- Todo mundo é diferente - disse Anne, de bom humor.
- Você está sorrindo. - Hazel juntou as mãos muito brancas e cheias de pintas e olhou com ternura para Anne. Ela enfatizou pelo menos uma sílaba em cada palavra que pronunciou. - Você tem um sorriso tão fascinante e tão marcante, que eu soube no instante em que a vi pela primeira vez que você compreenderia tudo, pois estamos na mesma sintonia. Às vezes acho que sou sensitiva, porque sempre sei instintivamente se vou gostar de uma pessoa ou não no momento em que a conheço e soube de cara que você tem empatia e que me entenderia. É tão bom ser compreendida e ninguém me entende, senhorita Shirley, quando eu a vi, uma vozinha sussurrou: "Ela compreenderá, com ela poderá ser você mesma", ah, senhorita Shirley, sejamos sempre francas, você me ama, pelo menos um pouquinho, um tiquinho?
- Acho você um encanto - disse Anne, rindo e afagando os cachos dourados dela com os dedos delgados. Era muito fácil gostar de Hazel.
Hazel estava desabafando com Anne no quarto da torre, de onde podiam ver uma lua jovem sobre o porto e o crepúsculo do fim de maio tingindo as tulipas carmesim nas janelas.
- Não acenda nenhuma luz ainda - implorou Hazel, ao que Anne respondeu:
- Não, é lindo quando a escuridão é sua amiga, não acha? As luzes a tornam nossa inimiga, ela nos encara com ressentimento.
- Posso até pensar em coisas desse tipo, mas nunca consigo expressá-las de maneira tão linda - lamentou Hazel, em um arrombo de emoção. - Você fala na língua das flores, senhorita Shirley.
Hazel não saberia explicar o que queria dizer com isso, mas não tinha importância. Soava tão poético!
O quarto da torre era o único cômodo tranquilo da casa. Rebecca Dew disse naquela manhã, com um olhar preocupado: "Temos que trocar o papel de parede da sala e do quarto de visitas antes da reunião da Sociedade Assistencial das Damas", e imediatamente retirou toda a mobília de ambos os cômodos para abrir espaço para o forrador, que acabou avisando que só viria no dia seguinte. Windy Poplars estava uma balbúrdia e o quarto da torre era o único oásis.
Hazel Marr tinha um notório "fascínio" por Anne. Os Marr eram novos em Summerside, tendo se mudado de Charlottetown durante o inverno. Hazel era uma "loira de outubro", como gostava de se descrever, com cabelos da cor do bronze e olhos castanhos. Segundo a Rebecca Dew, descobrir que era bonita foi a pior coisa que poderia ter-lhe acontecido, mas era popular, especialmente entre os rapazes, que achavam seus olhos e cachos uma combinação irresistível.
Anne gostava dela. Ao fim do dia, ela voltou para casa cansada e um tanto pessimista depois de todas as atividades na escola, mas agora já se sentia descansada, se graças à brisa de maio, doce com o perfume das macieiras em flor, ou ao papo com Hazel, ela não saberia dizer ao certo, ambos, talvez. Por algum motivo, Hazel fazia Anne lembrar-se da própria mocidade, com todos os êxtases, ideais e romantismos.
Hazel pegou a mão de Anne e a beijou com reverência.
- Odeio todas as pessoas que já amou antes de mim, senhorita Shirley. Odeio todas as outras pessoas que ama agora. Quero você exclusivamente.
- Não está sendo um pouco irracional, querida? Você ama outras pessoas além de mim. O Terry, por exemplo.
- Ah, senhorita Shirley! É disso que quero conversar, não suporto mais ficar em silêncio e tenho que falar com alguém, com alguém que me compreenda. Ontem eu saí e dei voltas e mais voltas ao redor do lago a noite inteira, bem, quase a noite inteira, até a meia-noite, de qualquer forma, já sofri tanto!
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Anne de Windy Poplars
RandomApós os anos na vida de universitária, Anne agora é diretora da escola de Ensino Médio de Summerside. Com a chegada na nova cidade e o recente cargo conquistado surgem alguns desafios, como a influente família Pringle, que não a quer à frente da esc...