Anne não sabia que a pequena Elizabeth assistia furtivamente à sua partida de Windy Poplars pela janela do sótão de Evergreens, era uma Elizabeth com lágrimas nos olhos, que se sentia a mais Lizzie das Lizzies, como se tudo que fazia a vida ter sentido estivesse indo embora, ainda que por pouco tempo. Quando o trenó dobrou a esquina da Rua do Fantasma, ela ajoelhou-se na beirada da cama.
- Querido Deus - sussurrou -, sei que não adianta pedir ao Senhor um Natal feliz, pois a vovó e a Ajudante são incapazes de ficarem felizes, mas, por favor, permita que a minha adorada senhorita Shirley tenha um Natal muito, muito alegre e traga-a em segurança de volta para mim quando tudo terminar. - Ela então se levantou. - Agora, sei que fiz tudo que estava em meu alcance.
Anne já estava saboreando a felicidade do Natal, ela cintilava enquanto o trem partia da estação, deixando para trás as ruas tristes, levando-a para casa, para a sua Green Gables. O mundo era branco, dourado e violeta no campo aberto, adornado aqui e ali pela magia dos escuros abetos e a delicadeza das bétulas despidas de folhas. O sol parecia correr por entre as árvores nuas como uma entidade esplêndida conforme o trem ganhava velocidade. Katherine estava em silêncio, mas não parecia emburrada.
- Não espere que eu converse - havia avisado à Anne, secamente.
- Não se preocupe. Espero que não ache que sou uma daquelas pessoas que fazem com que você se sinta obrigada a conversar o tempo todo. Nós conversaremos quando tivermos vontade. É provável que eu tenha vontade de falar durante boa parte do tempo, mas você não tem obrigação de prestar atenção em coisa alguma.
Davy as esperava em Bright River em um trenó de dois lugares repleto de mantas de pele e com um abraço de urso para Anne. As duas se ajeitaram no assento de trás. O trajeto da estação até Green Gables sempre fora uma das partes favoritas de Anne nos finais de semana em casa, pois ela sempre se recordava da primeira vez que chegara em Green Gables, com Matthew. Apesar de ter sido na primavera, a paisagem de dezembro parecia dizer-lhe "você se lembra?". O trenó abria caminho ruidosamente, a música dos sinos ecoava pelas fileiras dos pinheiros pontudos, cobertos de neve. A Via Láctea da alegria havia posto festões cheios de estrelas em volta das árvores e da penúltima colina elas avistaram o grande golfo, alvo e místico sob o luar, ainda livre do gelo.
- Há um ponto nesta estrada em que subitamente me sinto em casa - disse Anne. - É no topo da próxima colina, de onde veremos as luzes de Green Gables. Já estou imaginando o jantar que Marilla preparará para nós, acho que posso sentir o cheiro dele daqui. Ah, é bom, tão bom estar de volta ao meu lar!
Cada árvore na entrada de Green Gables parecia dar-lhes boas-vindas, cada janela acesa parecia chamá-las. E que aroma delicioso as recebeu ao abrirem a porta da cozinha de Marilla! Houve abraços, exclamações e risadas e de alguma forma, até mesmo Katherine parecia em casa. A senhora Rachel Lynde havia colocado o estimado abajur da sala de visitas sobre a mesa de jantar, era uma peça horrorosa, com um globo vermelho horroroso, mas que brilho róseo convidativo lançava sobre tudo! Que acolhedoras e amigáveis eram as sombras! Que mocinha linda estava ficando Dora! E Davy parecia um homenzinho.
Havia boas-vindas. Diana ganhara uma filhinha, Josie Pye tinha um namorado e Charlie Sloane, ao que parece, estava noivo. Tudo era tão interessante, como se fossem notícias do império. A nova colcha da senhora Lynde, feita com cinco mil retalhos, estava em exibição e recebeu os devidos elogios.
- Quando você volta para casa, Anne, tudo parece ganhar vida - disse Davy.
- Ah, é assim que a vida deveria ser - ronronou o gatinho da Dora.
- Sempre achei difícil de resistir ao fascínio de uma noite de luar - disse Anne após o jantar. - Que tal um passeio com sapatos para neve, senhorita Brooke? Ouvi dizer que sabe usá-los.
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Anne de Windy Poplars
RandomApós os anos na vida de universitária, Anne agora é diretora da escola de Ensino Médio de Summerside. Com a chegada na nova cidade e o recente cargo conquistado surgem alguns desafios, como a influente família Pringle, que não a quer à frente da esc...