Windy Poplars
Rua do Fantasma
30 de maioQUERIDO-E-MAIS-QUERIDO:
É primavera!
Talvez você, enterrado sob uma pilha de provas em Kingsport, não tenha se dado conta, mas eu estou ciente, do topo da minha cabeça até os dedos dos pés. Summerside também notou, pois até as ruas mais odiosas estão transfiguradas por galhos em flor que se estendem sobre as velhas cercas de madeira e por um cordão de dentes-de-leão na grama que bordeia as calçadas. Até mesmo a dama de porcelana na minha estante percebeu, se algum dia eu conseguir acordar subitamente no meio da noite, aposto que a flagrarei realizando um pas seul com seus sapatos rosados de saltos dourados.
Tudo diz "primavera" para mim... Os riachos risonhos, a bruma azul ao redor da Rainha das Tormentas, os bordos no bosque onde leio suas cartas, as cerejeiras alvas ao longo da Rua do Fantasma, os pintarroxos ágeis e atrevidos que desafiam Dusty Miller no quintal, a trepadeira verde dependurada sobre a meia-porta que a pequena Elizabeth atravessa para tomar o leite, os pinheiros em volta do velho cemitério, orgulhosos de suas novas pinhas. O próprio cemitério antigo, onde os mais variados tipos de flor-semeados ao redor dos túmulos explodem em botões e folhagens novas, como se dissessem: "Aqui, a vida triunfa sobre a morte". No fim da tarde de ontem, eu fiz um passeio muito agradável pelo cemitério. (Tenho certeza de que Rebecca Dew acha meus passeios mórbidos. "Não entendo como pode gostar tanto de caminhar por aquele lugar tenebroso", diz.) Vaguei pelo cemitério na penumbra perfumada, imaginando se a esposa de Nathan Pringle havia de fato tentado envenená-lo. Seu túmulo parecia tão inocente, com a grama nova e os lírios de junho, que concluí que fora caluniada.
Daqui a um mês, estarei em casa de férias! Não paro de pensar no velho pomar de Green Gables, com suas árvores cobertas de neve. A antiga ponte da Lagoa das Águas Brilhantes, o murmúrio do mar em meus ouvidos, uma tarde de verão na Travessa dos Amantes e você!
Estou com o tipo certo de bico de pena nesta noite, Gilbert, então...
(Duas páginas omitidas.)
Fui à casa dos Gibson nesta noite. Marilla havia pedido que eu os procurasse, há algum tempo, pois ela os conhecia da época em que moraram em White Sands e foi o que fiz. Tenho feito visitas semanais a elas desde então, pois Pauline parece gostar de minha presença e porque me compadeço. Ela é praticamente uma escrava da mãe, que é uma velha terrível.
A senhora Adoniram Gibson tem 80 anos e passa o dia na cadeira de rodas. Eles se mudaram para Summerside há quinze anos. Pauline, que tem 45, é a mais jovem da família, todos os seus irmãos e irmãs já são casados e todos decidiram que não querem a senhora Adoniran em suas casas. Pauline cuida da casa e faz tudo para a mãe, ela é uma mulherzinha um pouco pálida, de olhos castanhos e cabelos loiros-escuros que ainda eram brilhantes e bonitos. Desfrutam de uma situação econômica confortável, e se não fosse pela mãe, Pauline teria uma vida cômoda, pois adora ajudar na igreja e seria perfeitamente feliz frequentando a Sociedade Assistencial das Damas e das Missões Estrangeiras, planejando jantares da igreja e eventos sociais, sendo a orgulhosa dona do mais lindo exemplar da planta lambari da cidade. Porém, mal consegue sair de casa, até mesmo para ir à igreja aos domingos e não vejo nenhuma escapatória para ela, pois a velha senhora Gibson parece que viverá até os cem anos. E, ainda que não possa mais usar as pernas, não há nada de errado com sua língua, sempre me enche de indignação e impotência ouvir a pobre Pauline ser alvo do sarcasmo dela. Não obstante, Pauline diz que a mãe "tem grande apreço" por mim e é muito mais amistosa quando estou por perto. Se isso for verdade, tremo só de pensar em como ela deve ser quando não estou por perto.
Pauline não se atreve a fazer nada sem antes pedir para a mãe. Não consegue sequer comprar as próprias roupas, nem um par de meias. Tudo precisa ser submetido à aprovação da senhora Gibson, tudo precisa ser usado até estar gasto dos dois lados e Pauline usa o mesmo chapéu há quatro anos.
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Anne de Windy Poplars
RandomApós os anos na vida de universitária, Anne agora é diretora da escola de Ensino Médio de Summerside. Com a chegada na nova cidade e o recente cargo conquistado surgem alguns desafios, como a influente família Pringle, que não a quer à frente da esc...