Capítulo 14

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Eduarda Ramos


Acordei na manhã seguinte com uma baita dor de cabeça. Depois que Daniel dormiu, ainda fiquei muito tempo acordada, pensando. Porém, nem tudo o que pensei foi sobre os problemas pelos quais o meu amigo estava passando, mas muito sobre os meus também — o que, sinceramente, faz de mim a amiga mais egoísta do mundo, mas não pude simplesmente evitar. Quase não dormi, sem conseguir deixar de pensar nos meus queridos pais e na nova vida que eu tinha adentrado nas últimas semanas. Fora uma mudança bastante significativa para tão pouco tempo. 

Apesar de ter pensamentos egoístas durante boa parte da noite, não deixei de pensar em como Daniel deveria estar se sentindo. Eu jamais poderia entender, mas eu podia aconselhá-lo. Quando, por fim, cheguei à conclusão de que a mulher e o bebê do parque eram os mesmos dos quais Dani falava, eu sabia que o melhor que ele poderia fazer seria conhecer o seu filho o mais rápido possível e tentar ter uma convivência pelo menos pacífica com a Flávia; até porque eles teriam que manter contato um com o outro pelo resto de suas vidas. E Bernardo, a criança mais adorável que eu já tinha visto, merecia um pai, assim como Daniel merecia o seu filho. 

Depois de pensar em todos os conselhos que daria ao meu amigo, levantei e fui ao banheiro. Tomei um banho rápido, vesti uma roupa qualquer e fui para a cozinha preparar alguma coisa para Daniel comer — porque eu mesma odiava tomar café da manhã. Preparei tapiocas para ele, pois era fácil e uma das comidas que ele mais gostava de comer. Passei manteiga e coloquei umas fatias de peito de peru no prato também. Fiz um café preto do jeito que ele gostava e fui levar ao meu quarto (no estado que ele deveria estar, merecia todos os mimos possíveis). 

Daniel estava sentado na cama quando entrei, olhando o seu celular. Ainda parecia um pouco abatido, mas a sua aparência já estava muito melhor.  

— Toc, toc — falei, da porta, segurando a bandeja com os alimentos na mão. 

— Bom dia, moranguinho — falou Dani para mim, com um quase-sorriso. 

— Bom dia, chatonildo — respondi, carinhosamente. — Preparei um café da manhã pra você. 

— Poxa, não precisava, Duda! Você sabe que eu não gosto de te dar trabalho — falou ele, mas parecia agradecido. 

— E você sabe que eu gosto de cuidar de você, então só fica quieto e aceita — falei, entrando no quarto. 

— Hummm, tudo bem, mas só porque esse cheiro está maravilhoso — brincou ele. 

Ah, esse era o meu amigo! 

— Não vai se acostumar, hein, porque é só para ocasiões especiais — brinquei de volta. 

Quando sentei na beirada da cama e coloquei a bandeja entre nossos corpos, o meu amigo olhou para a bandeja e os seus olhos brilharam. 

— Ah, não acredito! Você fez tapioca! Você é a melhor, Dudinha! — animou-se instantaneamente ele. 

Eu estava agradecida porque o meu amigo às vezes parecia como uma criança: se animava rapidamente, e esquecia dos problemas. Queria que fosse assim com todos os que eu amo. 

— Já falei, não vá se acostumando — eu ri. 

Meu amigo comeu muito feliz. Brinquei que ia pegar um pedaço de uma tapioca, mas ele deu um tapa na minha mão e disse que aquelas eram dele e que, seu eu quisesse algumas, deveria fazer outras para mim. Eu ri do seu amor pelo alimento, mas eu não estava com fome mesmo; só queria irritá-lo. Quando estávamos rindo de sua possessividade, a campainha tocou.  

— Vou atender, já volto, senhor não-coma-minhas-tapiocas — falei. 

Fui até a porta, sem nem me indagar quem poderia ser. Ao abrir a porta, dou de cara com um Guilherme, lindo demais para uma manhã de domingo. Usava novamente uma bermuda jeans, mas dessa vez cáqui, e uma blusa vermelha que combinava com o seu tom de pele bronzeado. As tatuagens estavam à mostra em seus braços e eu tive uma vontade insana de lambê-las. Ele estava delicioso assim! Quando olhei para o seu rosto com a barba rala por fazer e um sorriso branco e reto aberto diretamente para mim, perdi totalmente a fala. 

Vida dupla: uma identidade secretaOnde histórias criam vida. Descubra agora