Capítulo 6

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Eduarda Ramos

Acordei sete horas com meu despertador tocando. Inicialmente, não reconheci aonde estava, mas logo lembrei-me que dormi na casa do Dani. Levantei sonolenta e fui ao banheiro. Por sorte, estava vazio. Entrei, fechei a porta e tomei um banho muito rápido. Passei meu ritual de cremes e perfumes e vesti o vestido bege que havia trazido.  

Saí com a minha mochila do banheiro e dei de cara com o meu amigo já vestido de terno e gravata e com a maleta na mão. Eram dez para às oito.  

— Bom dia, flor do dia. 

— Bom dia e vamos logo que eu estou com pressa — disse, enquanto passava por ele e dava um beijo em sua bochecha. 

— Falou a menina que me deixou esperando durante meia hora — resmungou. 

Dani se ofereceu para me dar uma carona de ida e de volta e, quando eu chegasse na casa dele depois do expediente, poderia pegar o meu carro e ir para casa. Aceitei, porque assim não teria que torcer para o meu carro pegar e arrumar uma vaga para ele. Percorremos o caminho até a empresa ouvindo música e chegamos rapidamente, pois o apartamento não era muito distante. 

Entrei e fui direto para o andar do subsolo. Daniel me disse que encontraria comigo mais tarde para ver como ia o treinamento. Quando cheguei naquele andar, me assustei um pouco com o tamanho de tudo. Apesar de já ter ido à empresa várias vezes, nunca tinha me aventurado no subsolo. Era um lugar amplo e iluminado, dividido em partes. A área de tiro ao alvo, a área de lutas, até uma área que parecia com um salão de beleza onde as pessoas se transformavam em outras completamente diferentes, quando necessário. 

Fui recebida por um homem forte, vestido com short e camiseta de ginástica. Ele logo perguntou-me: 

— Eduarda Ramos? 

— Sim... Sou eu — respondi. 

— Fui recrutado para treiná-la para o trabalho 687, a respeito do senhor Saurin. Aqui no meu relatório —  ele olhou para a pasta que estava em sua mão. — Diz que você é faixa preta em karatê, já participou de muitas aulas de Krav Maga e possui um talento especial para lutas. Contudo, não sabe como manusear uma arma de fogo e nunca fez aula de tiro ao alvo. Está correto? 

— Resumiu direitinho — respondi. 

— Ótimo, isso é o que vamos ver. Recrutei os meus melhores homens para ver qual o nível de suas habilidades. Você vai vestir aquela roupa espumada que está ali no canto — ele apontou — e virá aqui para o tatame depois.  

— Tudo bem. 

Fui para onde o homem mandou-me e vesti a roupa espumada, que protegia todos os locais importantes. Depois fui para o tatame que foi-me indicado. O meu instrutor continuou com as explicações: 

— Vamos começar com somente um homem. Ele vai começar pegando leve com você. Conforme percebermos o nível de suas habilidades, o grau de dificuldade vai aumentando. Se você conseguir derrubá-lo, dessa vez dois homens entrarão no tatame tentando derrubá-la. Assim vai. O número de homens vai aumentar até oito. Vamos ver como você se sai. 

— Tudo bem, estou preparada — afirmei, já sentindo a adrenalina gostosa correr por minhas veias.

Um homem quatro vezes o meu tamanho entrou no tatame. Ele preparou-se e tentou atingir o primeiro golpe. Mas eu fui rápida e me defendi. E assim continuei com as técnicas de Krav Maga, que visa acertar o adversário em seus pontos fracos para defender-se de seus ataques. Uma técnica de auto-defesa muito boa usada até pelo exército israelense. Tomei cuidado para não deixar os meus pontos fracos à mercê.  

Ele estava dificultando, mas mesmo assim eu me defendi de todos os golpes e, quando vi uma oportunidade, apliquei um Ashi Barai, técnica de Karatê que consiste em um chute com a sola do pé na altura do calcanhar. Assim, o meu adversário se desestabilizou e eu fui rápida aplicando um Osotogari, batendo com a minha perna inteira por trás das pernas do homem e usando o braço para empurrá-lo. Assim, ele estava no chão.  

Eu estava suada e cansada depois disso. Meu treinador mandou que entrassem os dois próximos. Dessa vez, ralei bem mais, contudo, depois de um tempo ainda consegui derrubá-los. Quando entraram três, no entanto, fui derrubada com facilidade. Já estava cansada e a minha resistência, pelo visto, não era das melhores. 

— Podem parar, senhores — disse o treinador. 

Eu estava deitada no chão, descansando depois de ter levado o golpe que me derrubou. O técnico voltou a falar comigo dessa vez: 

— Você é boa, Eduarda. Quase nenhuma pessoa que entrou aqui pela primeira vez conseguiu derrubar dois homens meus de uma vez. Impressionante. Porém, longe de ser o suficiente. Se você lutar assim e, por acaso, algo acontecer quando estiver protegendo o senhor Saurin, ele estará morto em dois tempos, assim como você. E como eu sei que não é isso o que você quer, nós vamos ter que melhorar suas técnicas. 

Assim passei o resto do dia. O meu treinador, que fui descobrir que chama-se Leandro, foi aprimorando as minhas técnicas e me ajudando a combinar o que eu sabia de Krav Maga e Karatê para que ambos funcionem bem juntos. Foi bom para relembrar alguns golpes e técnicas que eu já não lembrava mais por falta de uso. Me ensinou algumas táticas muito boas e me relembrou que o segredo de uma luta é o equilibro; saber exatamente onde deve colocar o seu peso no momento certo. 

No final do dia eu já tinha suado um rio inteiro e estava quase morrendo de cansaço. Daniel enfim entrou na área de treinamento às oito da noite. O expediente normal acaba às seis, então eu sabia que ele tinha vindo agora porque só agora o resto da empresa estava vazia. Meu amigo chegou autoritário, perguntando o relatório de como eu havia me saído para Leandro. Este, por sua vez, explicou tudo o que aconteceu durante o dia. 

— Então os progressos foram bem para o primeiro dia? — perguntou. 

— Foram sim, senhor Wolter. Eduarda é uma aprendiz rápida. Os progressos foram significativos mas nem de longe o suficiente para o que o trabalho exige. 

— Mas os três meses serão suficientes para conseguir deixá-la preparada? 

— Ah, com certeza menos, senhor. Usaremos dois meses e meio. Uma das duas semanas que sobrarão ficarão para a transformação com a Lúcia e a outra será uma semana para aprender tudo o necessário sobre o senhor Saurin e adaptar-se à rotina e costumes dele.  

— Perfeito. Mas esse tempo será o suficiente para fazê-la aprender a usar armas de fogo também? 

— Sim, senhor, não se preocupe — respondeu Leandro. — Como eu havia dito, Eduarda é uma exímia aprendiz. 

— Por hoje, ela já está liberada? 

— Está sim — foi a resposta. 

Então Daniel me chamou para irmos embora. Juntei minhas coisas e despedi-me de todos. Quando estava saindo na companhia do meu amigo, eu disse: 

— Achou legal conversar sobre mim como se eu não estivesse bem à sua frente? — perguntei, zombateira. 

— Ah, me desculpe, ruivinha. É que quando o homem de negócios assume, eu meio que me esqueço que não posso magoar seus sentimentos — brincou. 

Fomos para a casa dele, mas, ao invés de eu pegar o meu carro e voltar para casa, resolvi dormir lá mesmo, já que o meu chuveiro ainda estava queimado e eu não tive tempo para comprar outro. Tomei um banho com direito ao meu ritual de beleza depois e comi miojo —  estava acabada e definitivamente não estava a fim de preparar algo que demorasse mais de cinco minutos para ficar pronto. Meu amigo não quis me acompanhar e resolveu comer pão e frutas mais tarde.

Quando deitei, naquela noite, dormi imediatamente. O meu corpo estava precisando do tão merecido descanso. 

Vida dupla: uma identidade secretaOnde histórias criam vida. Descubra agora