Capítulo 5

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Depois que havia acabado o meu sorvete, acabei dormindo e nem percebi. Acordei assustada por nenhum motivo em particular, com o pote de sorvete no colo. O meu pescoço doía por causa da posição em que adormeci. Olhei no relógio e vi que já eram oito horas da noite. Nossa, apaguei mesmo!, pensei. Uma coisa da qual sempre gostei em mim mesma é a facilidade que tenho para dormir. Se eu deitar, a qualquer hora, qualquer dia, consigo pegar rapidamente no sono. Sorte a minha. 

Já que estava descansada, levantei, desliguei a TV, joguei o pote de sorvete fora e coloquei a colher na pia junto com as outras louças para lavar. Arrumaria a casa, deixaria tudo em ordem e limpo. Afinal, eu não sabia quando haveria uma outra oportunidade para isso, já que viveria a vida de outra pessoa daqui para frente.  

Comecei lavando a louça. Panelas, pratos, talheres, copos... Ah, que preguiça! Depois que lavei tudo o que havia na pia, sequei e guardei. Sentindo-me desanimada, resolvi colocar uma música bem alta, pois assim faria uma faxina mais animada, pelo menos. Fui ao som e coloquei uma trilha sonora animada.  

Voltei à cozinha dançando ao som de "You can leave your hat on", na voz de Anna Vishnevskaia. Terminei de guardar o que havia espalhado pela pia e voltei à sala. Peguei todas as coisas jogadas no sofá e fui guardando cada uma em seu respectivo lugar, ainda dançando. Depois de guardar tudo o que havia espalhado pela sala, foi a vez do meu pequeno quarto. Ali não tinha muita coisa espalhada — eram mais roupas do que tudo. Guardei-as também e estava tudo arrumado.  

Fui à minha minúscula área de serviço, peguei a vassoura e fui varrendo, dançando e cantando como podia. Usei a vassoura como microfone e como parceiro de dança, claro. Não tem melhor companheiro!, eu ri. Acabei mais rápido do que esperava. Agora vinha a pior parte de todas: lavar o banheiro. Ao som da minha trilha sonora animada, lavei a privada, a pia, o boxe e tudo pronto.  

Depois que acabei tudo, mal reconheci o meu lar. Estava brilhando como nunca antes. Obrigada às músicas animadas, porque se não fosse por elas, eu não teria feito nem metade do que fiz. Já estava cansada de novo, com a maior cara de empregada doméstica, descabelada e horrorosa. E pior de tudo: fedendo a desinfetante. E então é que me lembrei que o meu chuveiro estava queimado. Ah, meleca!, foi o que veio à minha mente.  

Foi então que tive a brilhante ideia de pedir para o tal do vizinho eletricista vir dar uma olhada. Mas havia mais um problema: eu não tinha um chuveiro reserva. Talvez eu devesse fazer mais amigos no meu prédio, assim eu poderia simplesmente pedir-lhes o banheiro emprestado por vinte minutinhos. Mas eu não conhecia muita gente naquele lugar que caía aos pedaços. Fiquei sem maiores saídas e liguei para a única pessoa que sempre me socorria. 

— Já tá com saudade, Dudinha? — Daniel atendeu no primeiro toque.  

— Dani, to precisando do seu socorro urgente. 

— O que aconteceu? — perguntou, agora preocupado. 

— Uma tragédia! — fingi um choro forçado. — Meu chuveiro queimou! 

— Não me preocupe atoa, mulher! Qual é o problema de tomar um banhozinho frio só hoje? 

— O problema é que já tomei um banho frio hoje e você sabe como eu DETESTO água fria. 

— Eu sei, você é pior que gato escaldado. Mas por que quer tomar outro banho, se já tomou um depois que chegou? 

— Ah, é que acabei adormecendo e, depois que acordei, fiz uma faxina aqui em casa. Esqueci completamente que o chuveiro estava queimado. Agora estou descabelada e cheirando a desinfetante.  

— Ah, só você mesmo, ruivinha. Quer vir aqui pra casa então? 

— Eu posso? — pergunto, com voz manhosa. 

Vida dupla: uma identidade secretaOnde histórias criam vida. Descubra agora