Capítulo 17

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Eduarda Ramos

Quando a minha raiva passou quase totalmente e eu voltei à minha forma racional, percebi que agora não adiantaria chorar pelo leite derramado. Ainda bem que os meus pais não ficariam sabendo de nada daqueles aventuras, senão eles me enforcavam por colocar a minha vida em risco por vontade própria. Meu pai diria que eu dera "um tiro no próprio pé". A expressão se encaixava bem, de uma maneira sombria. 

Perambulei um pouco sobre o pequeno local para conhecê-lo melhor. Guilherme estava agora no banheiro e eu ia aproveitar para dar uma pequena fuxicada no lugar. Fui até a cozinha e avaliei-a. A única coisa que a separava da minúscula sala era um balcão do tipo de cozinha americana, bem simples. Alguns armários, uma pia que mal cabia os meus braços (que dirá os de Guilherme! Acho que eu seria a eleita a lavar as louças) e armários de cima a baixo. Abri cada um deles, me deparando com comidas enlatas como milho, ervilha, carne vegetal, e outras coisas nada gostosas. Um estoque de garrafas de água também existia (não entendi o porquê destas, já que havia um filtro na torneira também). 

A próxima parada foi o quartinho. Era o maior cômodo da casa; nele havia uma cama de casal simples, forrada com um lençol branco-amarelado, que devia estar ali por muito tempo para ter adquirido aquela cor. O lugar todo cheirava a guardado e também a pó. Ainda bem que eu só era alérgica a mofo e esse não parecia haver por ali, caso contrário eu passaria por maus bocados. Foi então que eu me dei conta: só tinha uma cama de casal na casa inteira, e não tinha nenhum tipo de sofá, já que na sala não cabia! Pelo visto Guilherme ia dormir no chão... Eu ri da constatação e pensei que ele não ficaria nada feliz. Olhei o resto do ambiente e havia um armário no canto, dois quadros na parede e uma cadeira encostada perto da porta. Uma pequena mesinha de cabeceira com uma luminária em cima e isso era tudo. 

Fui até o armário e o abri, esperando encontrar alguma coisa interessante. Vi algumas camisetas e calças (obviamente masculinas, provavelmente de Saurin), um pequeno estoque de lençóis toalhas, sabonetes e shampoos no outro lado e era isso. Apenas o básico para a sobrevivência. Achei que não devíamos precisar ficar tanto tempo por ali, já que a equipe de segurança já estava sabendo e, consequentemente, Daniel também. Ele não descansaria até resolver essa história, eu sabia. Mas me senti culpada por dar-lhe mais essa preocupação, justo agora, com tanta coisa acontecendo em sua vida.  

Resolvi trocar a roupa de cama: eu sabia que nós íamos ter que ficar por aqui hoje, não tinha outro jeito. Peguei os lençóis do armário e dei a volta na cama. Porém, quando puxei os lençóis antigos, me deparei com um escorpião marrom horrível bem debaixo da roupa de cama antiga. E eu tenho uma séria fobia por escorpiões, então quase tive uma parada cardíaca. Quando dei de cara com aquele bichano assustador, com a pinça pronta para me picar, dei um grito ensurdecedor (nem pensei, foi a minha reação natural!) e pulei para o lugar mais longe possível dele dentro do pequeno quarto. 

— AAAAH! — berrei com a voz estridente, e tratei de me manter encolhida pelo medo. 

Guilherme deve ter se assustado com o meu grito, no entanto, porque um nano-segundo depois, ele apareceu ao meu lado com a arma em mãos, apontando-a para todos os lados. 

— O que aconteceu?! — perguntou, depois que teve certeza de que não havia ninguém ali. — Por que está encolhida aí no canto? E por que gritou? 

Sem conseguir nem falar direito de tanto pavor, apenas apontei a ele o lugar onde eu vira o escorpião e disse algumas palavras incoerentes: 

— Cama! Bicho! 

Eu tinha consciência de que estava falando coisas que deviam fazer pouco ou nenhum sentido para ele, e provavelmente também estava parecendo uma retardada, mas alguma coisa entre o meu cérebro e a minha língua havia sido desligada pelo pânico. 

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⏰ Última atualização: Dec 17, 2020 ⏰

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