Quando você me chama

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Tenho quase certeza de que já se passaram pelo menos 3 horas desde que entramos nessa ala e começamos a ler. Uma dessas horas eu passei em pé, explorando as paredes de livros, e subindo em uma pequena escada para alcançar aqueles que estavam mais acima.

'Morro dos ventos uivantes' foi minha escolha. Eu já tinha lido, mas essa versão é muito mais antiga, e para mim quanto mais antiga, mais intrigante. Me perco tanto no livro, quanto pensando por quantas vidas aquela edição do livro passou, quantas mãos sentiu, quantas histórias de amor já ouviu, quantos lamentos... Além disso, na capa dizia que era uma versão inédita e eu nem ao menos sabia da existência de uma versão inédita, parece que faz jus ao seu crédito. 

Comecei a ler. Li, li, li e li até que em um certo ponto do livro, a história realmente começou a ficar mirabolante. Tinham figuras como vampiros, fadas e lobos e casas mal assombradas... Vi meu reflexo em uma delas, refletido em um espelho grandioso e antigo, salpicado de ferrugem. Me sinto dentro do livro. Olho em volta. A casa é horrorosa. Feita de madeira tão apodrecida que pedaços caem sob meus cabelos. Sinto uma mão em meu ombro. Quando me viro vejo sr. Hiddleston. Ele me leva em sua direção com uma graça que imagino que só ele pode ter. Sr. Hiddleston me puxa para perto e me beija, mas não sinto o gosto de seus lábios. O que está acontecendo? Eu me afasto dele e o escuto me chamar, mas por um nome diferente:

- Coralina... - Ele me olha com uma expressão de dor  - Coralina, por favor... - Sua voz começa a ficar mais alta como se estivesse tentando me chamar de volta para ele. 

Ele continua a chamar por Coralina... Estende uma mão em direção a minha, eu deixo que a pegue, seu toque é real demais...

Abro meus olhos e enxergo um oceano azul que cintila levemente, como ondas calmas e suaves demais para um mar. Os olhos de sr. Hiddleston. 

Pisco 5 vezes até entender onde estou e o que aconteceu.

- Você adormeceu, Cordelia. Já passam das 1h da manhã. Vamos. Eu te acompanho até sua casa. 

Ainda estou processando: Sr. Hiddleston me levou para uma sala "secreta", leu comigo até eu adormecer, me acordou gentilmente e ofereceu para me acompanhar até minha casa...? Forço minhas unhas na palma da mão para me certificar de que isso é real, depois conto meus dedos e tento me lembrar o dia, mês e ano em que estamos. Tudo certo. Não estou mais sonhando.

Ele retira o livro com cuidado do meu colo e me oferece a mão. Aceito e levanto. Sua mão é quente e dá duas vezes o tamanho da minha. 

- Estava sonhando, Cordelia? - Ele me pergunta.

- Por que?

- Chamou por mim enquanto estava dormindo. - Ele me olha entretido e com um olhar de satisfação.

Seria um bom momento para desaparecer... 

*

Saímos da biblioteca que já está escura, iluminada apenas pelas luzes penduradas em algumas prateleiras de livros.

Vivi já foi embora. Não me viu sair, nem sr. Hiddleston. Imagino o que ela deve estar pensando.

Fico um pouco receosa dele me levar até minha casa, mas não é como se sair pelas ruas de Londres as 1h da manhã sozinha fosse um opção melhor.

Ele abre a porta do carro para que eu entre. O carro tem um cheiro levemente doce e crítico. Em poucos segundos ele já entrou pela outra porta, com suas longas pernas não é tão difícil.

Vou indicando o caminho até chegar em minha casa. Ela fica em uma esquina e é verde. Eu desenhei ramos de flores e árvores ao redor das beiradas da casa. Outra coisa que não poderia fazer onde morava. Acabou sendo a única casa colorida da rua. 

- Obrigada pela noite sr. Hiddleston, me senti... foi... foi inesperadamente mais agradável...

Ele observa minha casa atenciosamente por alguns instantes.

- Os desenhos... Você os fez? - Ele fala suave.

- Um dia não muito bom, às vezes dão os melhores resultados... Sim fui eu.

Observa minha casa novamente. Sinto pela expressão dele que não se surpreendeu, como se já esperasse algo assim de mim, e fosse confortável a seus olhos.

- Foi uma noite inesperadamente mais agradável para mim também, Cordelia. - Ele fala baixo, quase surrando com o sotaque britânico, como se esse lugar, eu e ele, fossemos íntimos o bastante. Eu o encaro. Ele tem pequenas linhas de expressão e um olhar experiente. Deve ter seus 40 anos. Sinto calafrios, tudo só o deixa mais bonito. 

Ele me direciona um de seus leves sorrisos de canto e levanta para abrir minha porta. Estende a mão e eu a pego - agora está mais fria. Ele me acompanha até a entrada de casa.

- Sr. Hiddleston... - Eu o chamo antes dele ir - Como vai me avisar quando não estará disponível, sem meu número de celular? 

Ele sorri como se guardasse mil segredos e diz:

- Você saberá, Cordelia. Tenha um ótimo restante de noite. - Então vira, desce os poucos degraus da minha entrada e vai. 

Uma ou duas histórias a maisOnde histórias criam vida. Descubra agora