Sangue. Eu nunca tinha visto tanto vermelho carmesim na minha vida. Fogo e fumaça, se misturavam no céu escuro, tampando a lua e as constelações, clareando a escuridão da noite e manchando a atmosfera de vermelho. Eu conseguia ver o brilho de pedaços de asa que flutuavam no céu, sabendo que pertenciam lá e não debaixo da terra. O cheiro pútrido de corpos queimados me fazia querer vomitar.Minha fina camisola de seda, um dia azul turquesa, estava marrom e dura por causa do sangue seco de meu pai. A cabeça decapitada de mamãe estava alguns metros de distância, seus olhos verdes ainda abertos, olhando para o vazio.
Eu estava na sacada do meu quarto e eles me seguravam pelos cotovelos, me obrigando a assistir minha cidade sendo queimada até o chão. Haviam me obrigado a ver meu irmão mais novo morrer em batalha, protegendo meu reino, me obrigaram a assistir mamãe morrer diante de mim. Me arrastaram para longe de meu pai, em seus últimos suspiros, e nem pude me despedir.
Eu tinha certeza absoluta que meu braço direito estava quebrado e uma parte da minha asa, dobrada.
Meu rosto estava melado com lágrimas que ainda escorriam silenciosamente e minha voz já havia se esvaído. Não lutei quando me algemaram com uma corrente de ferro que queimava meus pulsos, ou quando me jogaram de joelhos ao chão e me obrigaram a encarar o filho da puta que destruiu minha vida.
Ele me olhava de cima – o príncipe feérico perfeito – , querendo deixar ainda mais claro o quão superior era, o quão eu era impotente comparada à seus exércitos e suas terras e suas riquezas. Os cabelos pretos, que um dia eu havia penteado com carinho, e os olhos azuis que eu tanto adorava observar; a beleza da qual eu havia me apaixonado por, agora fazia meu estômago revirar.
Ele deu o sorriso de canto que um dia me fez ter borboletas no estômago e, em retribuição, cuspi em suas botas. Voltei a encara-lo e o sorriso dele tinha apenas aumentado.
– Teria sido tudo muito mais fácil se você apenas tivesse aceitado se casar comigo, pequena Lia.
☀︎
Acordei assustada, num instante estava deitada na cama e no outro fora de casa. Eu não conseguia respirar. O mundo girava e minha visão não estava acompanhando. O ar fresco da manhã batia em minha pele e soprava meus cabelos loiros. Eu não consigo respirar. Caí de joelhos no chão e coloquei as mãos na grama, arrancando uma folha de cada vez e contando. 1... 2... Eu não consigo respirar. 4... 6... Não devia ser tão difícil contar, certo? 9...10... Respira, inspira, respira—
Aos poucos minha visão voltou ao normal, minha respiração se acalmando e o coração parou de bater freneticamente. Eu ainda arrancava as plantas do chão quando o céu se clareou completamente e os pássaros começaram a cantar nas árvores. Me recompondo, voltei para dentro de casa, quase cambaleando, e fechei a porta. Me joguei de barriga para baixo na cama e deixei algumas lágrimas guardadas escorrerem livres.
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The Fairy ☀︎ ACOTAR
FanfictionUm poder amaldiçoado para uma princesa amaldiçoada. Adelina Artemisia é a ultima Fada, a única que sobrou dos massacres que seu antigo povo sofreu. Após sua família ser assassinada, Adelina fugiu e continuou fugindo desde então. Porém a jovem não c...