23 de dezembro de 2018
Madara não mentiu quando disse que pagaria pelo tratamento da menina e Tajima não descontou um centavo sequer do filho. Ele não havia blefado em dizer aquilo para o pai, se ele houvesse transferido a garota ele sairia utilizando a mesma ambulância que ela para outro lugar, não deixaria ela nas mãos de alguém que não possuísse confiança.Infelizmente ele não tinha notícias boas da menina, nem mesmo sinais de melhoras. Ela estava sempre na mesma estaca, alguns poucos dias com sinais melhores e muitos ruins, ele não era de se abalar ou desanimar fácil mas sinceramente vê-la sem progresso o deixava cabisbaixo. Mas isso não o fazia parar de visitá-la todos os dias durante suas folgas, e como já imaginava que não estaria em Seattle durante aquela semana festiva resolveu visitá-la fora de seu horário.
Em sua mente uma ideia miraculosa não parava de titubear, não sabia se era ético ou não fazer aquilo, afinal ela era apenas sua paciente e qualquer outro funcionário veria aquilo com maus olhos, mas no final de tudo não se importou. Suas caminhadas geralmente eram de madrugada próximo ao amanhecer do dia, então enquanto passava por uma pequena lojinha que por qualquer coincidência já estava aberta ele viu as incontáveis flores espalhadas pelo chão e em cima de um balcão e não demorou para que uma senhora de meia idade se aproximasse.- Não é comum ver homens tão jovens correndo à essas horas... - ela ofertou um sorriso gentil que forá retribuído - Deseja algo em especial?
Foi naquele momento que Madara pensou em quão estúpida era aquela ideia, não imaginava o que a garota gostava e sequer tinham uma amizade para que lhe oferecesse flores. No entanto, a sensação de que mais ninguém iria procurá-la e oferecer no mínimo um "Feliz Natal" o deixou chateado, ninguém deveria passar por aquela situação e ainda mais sozinho.
- Talvez algo rosa? - constatou pensativo, ainda não conseguindo concluir se aquela era ou não uma boa ideia.
- Oh.. Astromélias! - ela se virou ainda sorrindo enquanto procurava pela flor - Sabe eu lhe ofereceria Sakuras se ainda as tivessem, são flores lindas e cor de rosa, mas são tão raras que eu duvido que as encontrará tão facilmente! - a senhora continuou conversando enquanto preparava um arranjo, enquanto Madara ainda pensava em quais seriam as tais sakuras, um nome bonito demais para uma única flor - No Japão há uma lenda sobre as Sakuras, nela diz que havia uma árvore seca e solitária e por mais que fosse jovem e estivesse cheia de vida seus galhos nunca mostravam flores, por isto ela parecia magra e seca como se estivesse morta. A solidão era sua única companhia e sequer a grama quis crescer ao seu redor, foi então que uma fada ofertou à árvore o dom de se tornar humana e em suas caminhadas durante vinte anos a árvore por fim encontrou o amor. Sem poder permanecer mais do que vinte anos na forma humana, a árvore não desejava viver sem o humano que aprendeu a amar e como um único pedido a fada, o humano desejou se fundir à árvore para que pudessem viver juntos eternamente. Foi então que a árvore floresceu lindamente, a palavra Sakura significava "flor de cerejeira" mas a árvore não sabia disso e desde então o amor unido de ambos floresce a cada ano exibindo os mais lindos galhos e flores cor de rosa!
Madara não soube quando a mulher lhe entregou o arranjo bem feito, e não se lembrava de quanto tempo havia ficado ali parado escutando aquela lenda antiga. Contudo, por algum motivo algo insistiu para que ele ficasse ali e ouvisse tudo o que aquela mulher tão velha e sincera tinha para lhe dizer.
- Vá menino, não se atrase para vê-la! - deu fim a aquela conversa voltando a se sentar em seu banquinho e ler algum jornal velho.
Espantado com o que acabará de ocorrer Madara voltou a caminhar, não mais com a pressa que estava antes já que agora a única coisa em sua mente era aquela lenda boba sobre uma flor.
Seu trajeto o levou diretamente ao hospital, já conhecia os guardas então não demorou para que chegasse ao quarto 202 e avista-se a garota que se mantinha na mesma posição de sempre. Quando saiu da clínica por volta das dez da noite não passou para vê-la então não imaginava que as enfermeiras haviam removido as faixas de sua cabeça, e a pouca luz que emanava nela o fez notar que ela era ainda mais bonita do que imaginava. Tratou de afastar aquilo de seus pensamentos já que era completamente errado e ridículo de sua parte. Mas não evitou se aproximar e continuar encarando, mesmo que com o cabelo extremamente curto ele podia ver os pequenos folículos tomando sua coloração natural que ele constatou ser ruivo e agora sem aquele monte de pano a cobrindo notou também que seus traços eram diferentes do que já havia visto em qualquer outro lugar.
- Eu sei que é um pouco fora do horário mas eu não estarei aqui amanhã.. - começou a falar e não tirava os olhos da máquina de monitoramento, esperando qualquer sinal nos batimentos ou até nela - Eu gostaria que me respondesse como antes, apertando a minha mão ou se agitando, como fosse... - tomou a mão dela como fazia no início e esperou por alguns segundos - Hoje é dia vinte e três de dezembro, vinte e quatro tecnicamente se for julgar pela hora que é. Então eu lhe trouxe um presente de Natal antecipado... - Madara se sentia completamente diferente, estranho, como se fosse a primeira vez que estivessem conversando e ele estivesse sendo julgado por algo - Não é minha intenção que pense algo de errado, só que eu imagino o quão difícil deve ser estar aqui sozinha enquanto deveria estar com a sua família... São astromélias! - soltou a mão dela por alguns instantes para que colocasse o arranjo sob a bancada - Eu tenho viagem para fazer essa semana, não estarei aqui até após a virada de ano, eu espero que fique bem até lá e eu prometo que sempre estarei mantendo contato para saber como você está!
Madara deu um breve suspiro, ela não havia lhe dado nenhum sinal novamente e aquilo o deixava ainda mais frustrado. Tinha receio de que ela passa-se o resto de sua vida daquela maneira, havia nutrido esperanças demais em uma única paciente...
- Eu sei que parece algo bobo, mas eu ainda acho estranho conversar com você durante todo este tempo e não ter nenhum nome! - ele a olhou bem antes de concluir o que estava em seu pensamento desde a hora em que chegará na clínica - Se não se importar... Eu posso te apelidar de Cereja!
Quando disse aquele último nome os batimentos da menina se elevaram, minimamente mas muito para quem não lhe respondia à semanas. Um sorriso escapou pelos lábios dele, um sorriso esperançoso e até considerado bobo.
- Então até o dia dois... Cereja!
Madara deixou o quarto dela com uma sensação acalentadora no peito e um sentimento indescritível de que tudo daria certo.
Sua felicidade sequer deixou que o cirurgião notasse um detalhe importante antes de sair do quarto da garota.
Uma única e solitária lágrima que escorreu timidamente dos olhos da menina que por dentro não estava nenhum pouco inconsciente...
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Lapsos Memóriais
RomanceAquele seria apenas mais um dia, não como qualquer outro, na realidade aquela noite ele estava de folga e se preparava para estragar um pouco do físico invejável que possuía, já que não era sempre que sua profissão lhe permitia tais luxos. Iria com...