É comum que pacientes em coma escutem tudo ao seu redor, inclusive quando estão para acordar. Não seria diferente para ela. Durante todos os dias ouvia a voz daquele homem que lhe causava conforto, a voz dele lhe acalmava e de certo modo parecia conhecê-lo a muito tempo. E se não conhecesse adoraria vê-lo.
No entanto, os momentos perturbadores se iniciavam quando ela estava sozinha. A sensação de solidão e desespero nublavam quaisquer pensamentos de quando ela julgava estar lúcida, sentia-se presa à uma jaula desconhecida e rostos estranhos ficavam lhe aparecendo a todo momento como um barrão, um monte de fantasmas aleatórios. Era aterrorizante não saber quais eram aqueles rostos e quando sentia a mão daquele homem lhe tocando fazia tudo se esvair, focava apenas em ouvir a voz dele, queria entender o pôr que estava sozinha e o que havia lhe ocorrido para estar daquela maneira, num estado meio.. morta-viva. Sabia que estava inconsciente e em uma clínica, não sabia a quanto tempo estava ali mas sempre sabia quantas horas faltava para que aquele homem viesse visitá-la, afinal ficava contando os minutos e a última vez que ele demorou para visitá-la uma sensação angustiante nublou sua mente e quase sentiu que iria explodir.
Era torturante não poder dizer à ele que ela estava ali e independente de quem ele fosse queria pedir para que não desistisse dela. Ela já estava sozinha demais. Não queria o outro médico que haviam posto para ela, ouviu quando disseram que ela não podia pagar e Madara não poderia mais atendê-la, aqueles instantes foram terríveis e pensou que de fato iria morrer. Madara... Nunca havia ouvido aquele nome antes mas ele a deixava calma, e tinha certeza de que se ainda estava viva - se podia chamar aquilo de viver - ele era o único que lutava por ela.
Cereja...
Por que aquele nome a deixou tão agitada e de certo modo lhe trouxe certo acalento? Como se já houvesse escutado ele em algum canto, foi nesse momento que o terror de outra memória estranha a tomou. Uma garotinha correndo para onde ela estava e a dando um abraço forte a chamando de Cerejinha. Quem era ela? Quem era aquele rosto borrado?
Não soube e talvez nunca iria saber... Mas queria que ele a chamasse de novo daquela forma, a deu vida. Por mais que desejasse ter conhecimento de seu verdadeiro nome ela gostou de ao menos ter um nome, e aquele em específico pareceu soar bem, exceto pelo tormento daquele pequena menina. A notícia de que eles ficariam sem se falar durante uma semana a deixou nervosa e triste, sabia que os pesadelos não cessariam e que imagens perturbadoras e sem sentido continuariam vindo como um gigantesco quebra-cabeça. Então já era Natal? Não se lembrava de quando chegou no hospital e nem de quando começou a ter pensamentos um pouco racionais, só que saber que já era Natal a deixou ainda mais complexa em suas ideias, caindo num momento de desespero por saber que nenhum parente viria visitá-la. Nenhuma mãe? Ou pai? Ela não teria amigos..?
"Eu lhe trouxe um presente, astromélias..."
Queria sorrir, abrir os olhos e encará-lo, poder dizer o quão agradecida estava e que nada do que ele estava fazendo era em vão, mas já fazia muitos dias que seus esforços estavam sendo inúteis. Ao menos ele se lembrou dela numa data especial, queria agradecê-lo. Não conseguia mover sequer um dedinho, era tão... frustrante e todas as vezes que tentava se lembrar uma dor latente invadia sua mente.
Num instante lembrava de sorrir enquanto caminhava pela praia, haviam pessoas ao seu lado e a areia escura cobria seus pés enquanto observava o mar. Já no outro, gritava e se debatia enquanto alguém a arrastava a força para dentro de algum tipo de veículo antes de apagar por completo. Haviam lapsos de uma vida que não parecia ser dela, dois homens comiam com ela sentados num sofá velho e a casa escura parecia a deixar triste e deprimente, ela se negava a acreditar que aquela era sua verdadeira vida; no entanto, outros momentos daquelas lembranças ela parecia estar feliz mas não ao lado daqueles homens e sim com duas mulheres e tinha certeza de que a mais jovem era a garotinha do sonho passado. Mas por que não recordava de seus rostos?
A sensação angustiante passou a rasgar seu peito novamente assim que ele se foi e não sabia que podia mas a lágrima escorreu instintivamente de seus olhos quando o medo de estar só lhe arrebatou. Até quando ele estaria dessa forma? Se lamentando com a partida de alguém que sequer conhecia o rosto?
Tomara que ele não demorasse muito para voltar e que o tempo passa-se rápido, ou que no mínimo alguém aparecesse buscando por ela, apenas para conversar, não desejava estar sozinha de novo...
Ainda que suas esperanças fossem mínimas, seu maior desejo era saber..
"Quem eu sou?"
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Lapsos Memóriais
RomanceAquele seria apenas mais um dia, não como qualquer outro, na realidade aquela noite ele estava de folga e se preparava para estragar um pouco do físico invejável que possuía, já que não era sempre que sua profissão lhe permitia tais luxos. Iria com...