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Já fazia algum tempo desde que Kihyun perdeu contato com seus pais, mesmo assim, não lembrava de sentir saudade deles como sentia nesse exato momento. Passou esses anos apenas deixando-se levar dia após dia, mês após mês. Mas agora algo havia mudado em seu mundo interior. Estava sentindo-se diferente mais uma vez. Diria que conversar com Changkyun sobre isso o deixou um tanto melancólico, mas foi o ponto de partida.

Não pôde evitar entrar no assunto. Foi o rumo que a conversa sobre sua infância levou, e, quando notou o que se passava consigo mesmo, sentia uma falta absurda de como as coisas eram naquele tempo, quando suas únicas preocupações eram as notas boas no jardim de infância e os machucados que adquiria muito facilmente ao andar de bicicleta com seus amigos da rua. Mas mais ainda, sentia saudade dos braços reconfortantes de seus pais e do calor gostoso dos programas em família. Mudou tanto desde aquela época. As situações e pessoas ao seu redor transformaram-se igualmente. Embora não tenha medo dessa mudança, passou a sentir-se refém dela. Estava cansado disso.

Aparentemente Changkyun estava certo. Depois de tanto tempo, não podia mais continuar se deixando levar pela rejeição de tempos atrás. Talvez eles tivessem mudado de novo, assim como aconteceu consigo, era possível. Talvez sentissem sua falta também. Se já achava não ter nada vindo deles, o que teria a perder então? Foi esse o questionamento que o fez refletir sobre as prioridades em sua vida. Por isso se encontrava agora dentro de uma linha de ônibus que imaginou nunca mais precisar entrar, acompanhado daquele que lhe transmitia coragem e calma com uma singela carícia nas costas da mão repousada em seu colo.

-- Não se preocupe, hyung. Eu sei que eles também sentem sua falta.

-- Não estou preocupado. É que tenho tanto pra falar, aposto que tenho muito a ouvir também. - entrelaçou os dedos aos dele e sorriu com a visão - Mas, antes disso, eles precisam me deixar entrar. Se não quiserem me receber, não vou forçar. Pelo menos vou ter a consciência de que tentei.

-- Foi uma longa caminhada até aqui. E não me refiro ao ônibus ou à cidade. Mas aqui dentro. - levou o indicador até a testa dele, deixando claro a que referia-se - Sei que não importa muito, mas estou orgulhoso por superar.

Kihyun o fitou por longos segundos, toda a trajetória deles passando como um filme por sua memória. Sentia-se muito orgulhoso dele também.

-- Eu digo o mesmo pra você. Ver a sua evolução, o tanto que as coisas mudaram aí dentro... isso tudo me faz perceber que ter te conhecido foi uma das melhores coisas que já me aconteceu.

-- Foi com certeza a melhor coisa que já me aconteceu. Acho que já te agradeci, mas sou muito grato de verdade por te ter aqui.

Antes de Kihyun, Changkyun nunca imaginou que precisaria da ajuda de alguém para superar seus medos e romper as barreiras mal construídas em sua mente. Tudo o que aconteceu com seu pai ainda estava ali e ele sentia, mas já não o assombrava mais, não se culpava mais. Via o mundo através de outra perspectiva e estava encantado com as infinitas possibilidades de fazer algo melhor para alguém. Nunca foi muito de acreditar em sorte, pois com ela viria também o azar, porém, era sorte demais algo inesperado se tornar tão grandioso dentro de si mesmo. Se não sorte, acreditava que o destino havia mesmo pegado ele de jeito.

-- Descemos no próximo ponto. Quer mesmo fazer isso comigo? Se descermos, não terá mais volta.

-- Kihyun. - sorriu para ele, numa tentativa de amenizar suas incertezas - Desde que conversamos semana passada e você ficou radiante com a possibilidade de reconciliação... eu já estou fazendo isso com você. - levou uma mecha rebelde do cabelo dele para trás da orelha e sentiu a necessidade de dizer o quanto ele estava bonito com a nova cor - Mesmo que eu adore você arroxeado, o cabelo preto também te cai muito bem. Acho que estou mesmo apaixonado.

O Yoo mordeu o lábio inferior para conter o sorriso enorme que com certeza surgiria em seu rosto, mas não adiantou nada.

Ao levantar-se, sentiu a mão de Changkyun guiando a sua até a cordinha do ônibus e respirou fundo antes de puxá-la, ouvindo a parada ser anunciada em seguida. Estava muito feliz por tê-lo ao seu lado.

[...]

-- Chegamos.

Sua voz soou em meio ao silêncio que foi a caminhada da parada de ônibus até a casa de seus pais. Olhando ao redor, quase nada havia mudado. A grande árvore de cerejeira ainda estava lá, as folhas já avermelhadas ainda caindo. Não havia percebido que estavam no outono, portanto respirou fundo, longamente, afim de sentir o ar puro e fresco que invadia seus pulmões durante essa época do ano.

-- Quando você disse que era no interior de outra cidade, não imaginei que fosse tudo tão atual.

-- O quê? Esperava que eles vivessem só cercados de mato?

-- Não é isso! - riu, sem aguentar aquele olhar e a careta direcionados a si - Só não imaginava ser assim. Nunca saí da minha bolha antes.

-- Se ficarmos, posso te mostrar a cidade. É outono e tem alguns festivais por aqui.

-- Mas precisamos voltar logo. As provas de fim de ano já vão começar.

-- Não dá pra acreditar que já vamos nos formar.

-- Claro que dá! - brincou com os dedos entrelaçados aos dele - Vamos nos livrar do inferno.

-- Só pra começarmos outro. - fez careta, retribuindo a carícia em suas mãos quentes -

Antes que Changkyun pudesse rebater dizendo que estariam um inferno mais perto do fim dos infernos, observou um senhor saindo da casa onde Kihyun apontou ser a de seus pais. Estavam tão próximos dela que foram vistos de imediato. O homem pareceu tão surpreso que chegou a apoiar-se na árvore, certamente para não cair.

-- Meu deus, vamos matar o velho!

-- Changkyun!

O Yoo correu em direção ao portão e facilmente o destravou. Quando chegou próximo a seu pai, viu seus olhos cheios de água e começou a sentir um nó formar-se na garganta. Estava começando a ser difícil respirar mesmo com o vento forte que batia contra seu rosto.

-- Olá, pai. - proferiu baixinho antes de se reverenciar a ele - Eu voltei.

O homem puxou ele para um abraço e foi possível sentir-se ser molhado pela emoção que transbordava de seus olhos sem cessar, numa reciprocidade sintonizada demais.

-- Meu filho voltou!!! Querida, nosso filho voltou! O Kihyun está aqui!

Ele sorria em meio ao choro e aos gritos de euforia. Até que uma mulher, não muito mais velha do que ele, surgiu correndo vestida em uma roupa de ginástica. Ela segurava um pesinho de academia, mas não se importou em jogá-lo no chão somente para abraçar o filho que não via há anos.

-- Eu não acredito que está aqui, meu bebê... que saudade... - ela parecia mais equilibrada, mas inalava o cheiro dele como se fosse o ar que lhe manteria viva pelo resto dos seus dias - Senti tanto a sua falta, meu amor.

-- Eu também, mãe. Também senti muito a falta de vocês dois.

Foi em meio ao abraço em família que Changkyun tomou coragem para chegar ainda mais perto do portão. Suas mãos estavam suando estranhamente e secar na calça não resolvia. Estava agradecendo mentalmente por ser ele a estar carregando a mochila com as roupas e pertences dos dois. Talvez fosse ela a estar mantendo seu corpo equilibrado.

-- Em que posso ajudar, meu jovem? - a senhora Yoo foi a primeira a notar sua presença - Está vendendo algo?

-- Não, eu...

-- Ele está comigo. - Kihyun se desvencilhou dos braços de seus pais para ir até ele - Mãe, pai... esse é Changkyun. Ele me fez perceber que deveria dar uma chance a nossa mudança e vir aqui mais uma vez.

-- Eu vi vocês de mãos dadas. - o senhor Yoo aproximou-se e fitou Changkyun nos olhos - Obrigado, Changkyun. - então o abraçou, dando um tapinha nas costas e abrindo caminho para que ele entrasse na casa -

-- Se sinta em casa, querido. Se está fazendo bem ao nosso menino, é bem vindo aqui.

Sem saber o que dizer, o Im reverenciou-se antes de entrar de fato na casa com todos eles. Se sentia acolhido e o sentimento bom de que pertencia àquele lugar tomou o espaço que antes morava sua angústia.

Magic [Changki]Onde histórias criam vida. Descubra agora