Capítulo 01

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EDA


Caminho sentindo-me realizada após encerrar a ligação com o senhor Kerem Bürsin e sua esposa, Hande Bürsin. Apertando forte minha pasta contra o peito, suspiro e paro para admirar o Estreito de Bósforo a minha frente, a brisa advinda do canal levando meus cabelos para o alto em uma carícia bem vinda.

Tudo tinha dado certo e eu consegui checar mais uma história. Adorava esse sentimento de satisfação ao concluir mais um trabalho que parecia ser impossível a princípio, como uma checadora de fatos. Para um melhor entendimento, gosto de pensar que minha profissão me torna uma espécie de detetive, só que bem mais comunicativa.

O senhor Bürsin com quem eu acabara de conversar é um ex-soldado turco que participou da Invasão Turca de Chipre, em 1974. Uma foto sua preto e branco, em baixa resolução estava em minhas mãos e mostrava um momento de comemoração do exército turco após a vitória e ocupação de parte do território cipriano. O senhor Kerem ocupava o meio da foto ajoelhado aos pés de uma linda garota que estampava em seu rosto uma evidente expressão de alegria com o pedido de casamento do rapaz, a foto sendo tirada no mesmo lugar onde estou agora.

A imagem foi retratada há quarenta e sete anos atrás, mas continua um viral até os dias atuais. E hoje eu, Eda Yildiz, foi quem comprovou a sua veracidade e conseguiu detalhes da história após tantos anos. Não que isso seja uma supresa, afinal, sou a melhor no que faço.

Hande e Kerem haviam se casado semanas depois daquela foto e estão juntos até hoje. Segundo o senhor Kerem, a senhora Bürsin é o seu raio de sol de todos os dias. E conforme o que a sua esposa disse, ele é a parte mais engraçada de sua vida. Em suma, o amor um pelo outro continuava recente como o primeiro dia.

Sorri comigo mesma diante dos fatos, mais um final feliz.

...


— Você tem certeza absoluta?

Meu chefe, Erdem, me encarou por cima de seus óculos de grau falsos. O pobre coitado acreditava que a armação de plástico em seu rosto lhe dava um ar de intelectualidade, todavia ele conseguia ficar ainda mais esquisito, se possível.

— Sim, senhor. — Respondi, prontamente.— O próprio senhor Bürsin me confirmou que são ele e sua esposa Hande na imagem. Foi um gesto completamente espontâneo, uma celebração do amor.

— Ele mesmo que lhe disse?— Meu chefe quis assegurar.

— Isso mesmo. — Disse e completei para o seu sossego: — Tenho certeza absoluta.

— Ótimo.— Erdem sorriu.— As pessoas querem acreditar no amor verdadeiro, não é? Que assim seja. Falando nisso, — Ele fez uma pausa.— soube que está indo a Verona para uma pré-lua de mel, não é? O que diabos é isso?

— São férias antes do casamento.— Sorri como uma boba.— Queremos ficar mais tempo juntos antes da cafeteria dele ser inaugurada.

— É a cidade do amor, boa escolha.— Meu chefe fez menção de me dispensar.— E bom trabalho, obrigado.

— Na verdade...— Me ouvi dizer, tentando colocar meus pensamentos para fora de modo que eu soasse confiante.— E se enquanto eu estivesse lá... Eu escrevesse?

— Você é uma ótima checados de fatos. Tenha uma boa viagem! — Ele respondeu e me senti murchar. Erdem mal tinha me entendido. Ou se entendeu, não deu a mínima. Mas antes que eu pudesse rebater, o telefone em sua mesa tocou e ele já estava conversando com outro alguém na linha.

Eu só queria uma chance.

— Hm... Obrigada. Até mais.— Me despedi desanimada, saindo de sua sala.

...


— Quem é que sai em lua de mel sem se casar?! — Minha amiga e secretária de Erdem, Leyla, exclama extasiada em meu encalço.— Você é tão sortuda!

— Na verdade, a cafeteira do Deniz abre daqui a 6 semanas. É a nossa última chance.

— Nossa.— Ela franziu o cenho.— Só não deixe que ele preste atenção em mais nada senão você, ouviu? Se precisar, jogue aquele maldito celular dele ao mar!

— Ele se jogaria atrás.— Ri sem humor.— E também precisa trabalhar.

— Eda! — Leyla me repreendeu, claramente descontente. Ela dizia que Deniz não era um daqueles típicos workaholics sedutores dos filmes, mas sim um maluco obsessivo por café o qual ironicamente também era o seu "combustível". Mas eu o conheci assim e foi por essa sua característica trabalhadora pela qual me apaixonei.

— Tá tudo bem, juro! — Respondi, acenando rapidamente em despedida e aproveitando a deixa de que ela foi interceptada por um dos funcionários no meio do caminho.

Se eu ficasse, era capaz de Leyla me fazer chutar Deniz da nossa própria pré-lua de mel e ir ela mesma no lugar dele.

Sai da empresa contemplando a mistura de cores no céu marcando o fim da tarde e resolvi caminhar para ir de encontros a Deniz. Revirando os olhos para algumas cantadas baratas que recebi no caminho, cheguei rapidamente no estabelecimento em obras.

— Boa tarde! — Cumprimentei os trabalhadores da reforma e me dirigi para o interior do recinto em busca do meu noivo.

— Deus! — Exclamei ao avistar Deniz curvado sobre uma bancada, cheirando ao que parecia ser grãos de café distribuídos em diferentes potes a sua frente.

— Fecha os olhos, fecha os olhos! — Ele sorriu divertido e eu obedeci.— Agora, abra a boca.— Senti o gosto amargo e adocicado na medida certa ser reconhecido pelo meu paladar.

— E aí, gostou? — Deniz quase pulava de animação e eu assenti.— Isso! Eu acabei de criar uma nova modalidade de café, querida. Eu sou incrível! Experimenta esse aqui.

Deniz trouxe mais tipos de grãos de café para os meus lábios e começou um discurso de como havia criado uma revolução com seu conhecimento sobre cafeína.

— Deniz! — O interrompi, tentando dizer mais que uma palavra desde que entrei.— Posso falar?— Ele parou, finalmente prestando atenção em mim e eu sorri receosa.— Vamos viajar daqui a 5 horas e você ainda não fez as suas malas.

— Claro, claro, as malas! Eu lembrava disso. — Ele riu e veio ao meu encontro, dando-me uma abraço caloroso.— Vai ser incrível! — Ele me girou e ri em seus braços. — Tchau, Turquia! E ciao, Itália!

Sorri. Em meu íntimo, eu sabia que essa viagem seria inesquecível.

Cartas para Julieta| EdSerOnde histórias criam vida. Descubra agora