Capítulo 02

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EDA
Primeira semana

Estava maravilhada, admirando as ruas de Verona com uma arquitetura romântica e clássica, tudo simplesmente de tirar o fôlego.

— Eda! Minha doce Eda! — Deniz gritou da sacada do nosso quarto de hotel ao perceber minha aproximação e franzi o cenho desgostosa quando meus olhos se fixaram no aparelho celular em suas mãos.— Onde estás tu, minha doce Eda?! — Ri ao reconhecer suas palavras como uma analogia a uma obra shakespeariana.

— Eu amei esse lugar! — Ele me recebeu na entrada do edifício.

— É incrível! — Respondi, o cumprimentando com um selinho.— Vem, eu preciso te mostrar...

— Sabe o que é mais incrível?— Ele me interrompeu.— Eu acabei de falar com o Sr. Fontana e ele conseguiu um tour privado com todos os meus fornecedores!— Deniz dizia enérgico, me puxando em direção ao carro.— Vamos começar com a plantação de café mais antiga e bela de Vêneto!

— Deniz! — O chamei em descrença.

— O quê?— Ele parou ao abrir a porta do carro e se aproximou ao perceber algo em minhas feições. — Eda, você não está entendendo. É a plantação de café mais antiga e bela da região. Isso é romântico, tá bom? — Ele sorriu me fazendo sorrir também.— Vamos até lá, tomar um pouco de café, ficar de bobeira... Depois vamos voltar e...— Ele me deu mais um olhar e soube que me ganhou.

Eu apenas assenti diante de seu entusiasmo, ele estava tão feliz. Como eu poderia dizer não?

...

— E aí?— Deniz me perguntou se referindo a minha situação no trabalho após ouvir a história sobre minha última checagem, seus olhos atentos na estrada diante de nós.

— E aí que nada.— Suspirei derrotada.— Tentei falar com o Erdem outra vez, mas...— Fiz uma pausa.— Não deu certo... Tive medo.

— Sério?

— Sim, porém sei que está na hora de mudar isso.— Afirmei decidida.— É hora de parar de checar fatos e começar a escrever!

— É...é...— Deniz dividia agora sua atenção entre as plantações de café que passavam em borrões ao seu lado e a estrada, fazendo uma curva para adentrar uma fazenda que emergia em nosso campo de visão. — Sim, é sua paixão. Você deve fazer isso.

Estranhamente, senti como se suas palavras estivessem no modo piloto automático e não gostei nada dessa sensação.

...

As próximas horas foram as mais maçantes da minha vida. E olha que eu já tinha assistindo uma palestra de quase cinco horas sobre metalinguagem, feita por um professor que utilizava sua própria vida como base do tema. O egocentrismo de sua apresentação na faculdade quase me fez desistir de sua matéria.

Deniz e eu passamos o dia inteiro perambulando por diferentes lavouras de café: experimentando e cheirando a bebida com suas combinações, mordendo para testar a resistência dos grãos... Tudo isso acompanhados de vários guias que nos davam a mesma explicação sobre tudo, nunca havia nada de novo. Mas Deniz escutava tudo com tanta atenção, como se fosse a primeira vez que as palavras assentassem em seu cérebro. Comprovando o quanto ele era apaixonado pelos grãos escuros.

E quanto á mim... Bem, meu nariz não aguentava mais o cheiro de café! Porém, eu continuava sorrindo e tentando apreciar o momento. Deniz parecia muito feliz, então eu estava fazendo um esforço para que esse sentimento não se esvaísse.

— Deniz...— O chamei depois de um tempo.— Não se esqueça que temos que comprar os ingressos para a ópera, tudo bem? E também ao lago de Garda! E a casa de Julieta!

— Claro, com certeza! — Ele sorriu para mim antes de sua atenção ser tomada novamente por um dos investidores que estava ansioso para lhe mostrar o café mais forte que tinha.

Suspirei e o observei se afastar mais uma vez.
Era uma pena que a sua animação não fosse nada contagiante visto que eu bufei mais uma vez insatisfeita com o rumo que a viagem estava tomando. Porém, acabamos de chegar. Não é como se ele fosse apenas dar atenção a isso. Pelo menos, não o tempo todo.

Mas uma coisa era certa: se ele continuasse experimentando tantos cafés diferentes assim, uma baita dor de barriga estaria logo por vir.

Duas hora depois, eu ainda me encontrava sentada em uma das cadeiras do estabelecimento na parte externa, observando o céu ensolarado e tentando atribuir formas as nuvens que surgiam.

— Sim, com certeza! — Deniz voltou sorrindo e desligou o celular ao me ver.— Era o Sr. Fontana! Ele nos convidou para conhecer uma floresta incrível a duzentos quilômetros daqui, onde colhem grãos deliciosos!

— Espere. — Falei em choque. Ele dizia como se essa distância fosse daqui até a esquina.— Duzentos quilômetros?

— É, não são milhas Eda! — Ele respondeu.

Fechei a cara.

— Eu sei! Só não entendo por que você quer viajar toda essa distância só para ver uns grãos de café.

Deniz franziu as sobrancelhas em uma careta.

— Não são só uns grãos de café, entende? São os grãos de café! Os melhores que crescem em circunstâncias estrategicamente planejadas e...— Ele parou ao ver algo em meu rosto.— Qual é, Eda! O dia de hoje foi legal, não foi?

— Foi, foi... Legal.— Sorri forçada.— Mas agora, sendo sincera, não estou afim de viajar tanto para ver uns grãos.

— Hm, tá bom, eu entendo.— Ele passou o braço por meus ombros.— Mas não fale assim deles, está bem?

— Claro, querido. — Suspirei.

A viagem de volta para o hotel foi em um silêncio ensurdecedor. Deniz parecia bastante concentrado no caminho, seu sorriso que outrora brilhava nos estabelecimentos que visitamos, não existia mais.

Não podia deixar de me sentir culpada. Não podia tirar esse momento de felicidade dele. Talvez, eu pudesse arranjar algo para fazer enquanto ele estivesse fora, não? Eu podia ser um pouco mais compressiva, por ele. Afinal, ainda era o nosso primeiro dia em Verona. Haveria tempo e outras oportunidades para desfrutar de tudo aquilo de romântico que a região tinha a oferecer. Assim eu esperava.

— Ei. — Suspirei, minha voz agora sobrepondo o som do motor do nosso carro alugado.— Por que você não vai visitar a floresta de grãos e eu vou visitar alguns pontos turísticos?

Minhas palavras tiveram um efeito imediato.

— Sério?— Um sorriso enorme brotou no rosto de Deniz e eu assenti em reposta, respirando um pouco mais aliviada pela volta de seu bom humor.— Sim, sim! Adorei a ideia, querida. Todos saem ganhado!

— Ótimo.— Sorri diante da felicidade dele.— Então, você pode me deixar na porta do hotel e prosseguir a viagem. Eu vou ficar bem...

Sozinha. Completei em meus pensamentos.

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E vamos de att dupla!

Cartas para Julieta| EdSerOnde histórias criam vida. Descubra agora