Capítulo 3: Posso ficar?

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Eu só me meto em furada, puta que pariu! Além de ajudar e tratar dos ferimentos do garoto zumbi, preciso dormir no chão, porque não me sinto confortável em dividir a cama com ele.

O colchonete é duro e pinica, porém, sou vencido pelo cansaço e acabo dormindo. À noite, ainda mais nos dias mais estressantes, eu lembro de tudo. Recordo dos toques. Dos palavrões. Eu não queria. Ele me forçava.

— Não quero! — gritei, levantando assustado e suado, mesmo a porra do termômetro marcando 9º graus. — Puta que pariu.

— Você está bem? — perguntou uma voz fraca, que fez o meu corpo estremecer, porque pensei se tratar de um espírito.

— Cacete! — fiquei em pé.

Demoro mais do que o normal para lembrar do "defunto" que dorme na minha cama. O tico e teco não funcionam sob pressão. Na penumbra do quarto, consegui ver a silhueta dele deitado.

Recuperado do susto, mas ainda desconfiado, ligo o abajur e uma luz amarela ajuda a identificar o rapaz. A única coisa que consigo ouvir é sua respiração ofegante.

— Cara, quem é você? — perguntei me aproximando.

— Onde eu estou?

— Não se responde uma pergunta com outra. — me controlei para não disparar um palavrão. De acordo com a Izzy, o meu único defeito é a boca suja e, infelizmente, não consigo ser de outro jeito.

— Desculpa. Eu estou com sede. — avisou o rapaz.

Respiro fundo e sigo para a cozinha. Encho um copo de vidro com água e caço o canudinho de bambu que a Izzy comprou na sua fase natureba. Volto para o quarto e o garoto continua na mesma posição, porém, os seus olhos fitavam cada parte do meu quarto, acho que procurando uma rota de fuga.

— Toma. — falei me abaixando e colocando o canudo em sua boca.

O garoto toma a água do copo desesperado. Não imagino o que ele passou e estou começando a me arrepender em tê-lo ajudado, afinal, ser um Garoto de Programa já é ruim aos olhos da sociedade, imagina ajudando algum pilantra.

— Olha, eu não quero confusão. Eu apenas te ajudei. Seja lá o que vou aprontou, Garoto Zumbi, eu não me importo. — avisei deixando o copo sob a mesa de cabeceira.

— Eu não sou um marginal. — ele respondeu. Agora, pude reparar um pouco mais na voz dele. Um tom doce e pacato. O tom de alguém que não se meteria em confusão. — Digamos que é um problema de família. Realmente, não quero te envolver. Eu só peço um tempo. Posso te ajudar com dinheiro, não se preocupe.

— Puta que pariu. — soltei, impaciente. — Mas, preciso de um spoiler, cara.

— Spoiler...

— Drogas? Mulher? Acerto de contas? — fiz uma sequência de perguntas com possíveis motivos para ele ficar naquele estado. O menino pareceu confuso e apenas negou com a cabeça.

— Nenhum deles. Digamos que cobiça. — ele se limitou a dizer, puxando o cobertor contra o seu peito.

— Eu posso saber a sua graça? — perguntei de forma irônica. — Não aguento mais te chamar de Garoto Zumbi.

— Miguel. Miguel Arnault. E o seu?

— Cacete, que merda de nome difícil. Opa, desculpa o meu modo. — soltei. — Eu me chamo Stefano, mas pode me chamar de Stef.

— Obrigado, Stefano.

— De nada. — falei esfregando minhas mãos por causa do frio. — Bem, vamos dormir? Pela manhã, conversamos mais.

Apenas uma regraOnde histórias criam vida. Descubra agora