Capítulo 18: Estatísticas

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Caralho! Caralho! Eu tô muito bravo. A Izzy acorda duas vezes, mas não diz nada, apenas chora. Nem imagino a dor e medo que ela sentiu durante o ataque. Não fui muito longe para ficar chocado. Através de uma pesquisa rápida, eu descubro que 175 travestis e mulheres transexuais foram assassinadas no Brasil.

Ainda de acordo com a pesquisa, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) afirmou que a cada ano, os ataques se tornam mais frequentes e sanguinários.

Vitória Rodrigues. Dandara dos Santos. Hevelyn Montine. Márcia Shokenna. Keron Ravach. Crismilly Pérola. Larissa Rodrigues.Thalia Costa. Essas são só algumas das vítimas espalhadas pelo Brasil. Elas não tiveram nem chance de defesa. Apenas viraram estatísticas dentro de uma matéria.

Puta que pariu. O nome da Izzy poderia estar nesses noticiários. Passamos quase dois dias no hospital. Graças a Deus, o estado dela evolui rápido. A coitada da Izzy está com marcas dentro e fora do corpo.

Bem, se depender de mim, a Izzy vai ter o melhor tratamento do universo. Graças a Deus, que tenho algumas economias e posso bancar os remédios. Desde quando acordou, a Izz não abriu o bico. Nem da sua cara zoada ela reclama.

O Miguel descola um carro e acomodamos Izzy com todo o cuidado. No caminho, nós trocamos olhares, porém, ficamos quietos. Segundo o médico, a Izzy precisaria passar por sessões de fisioterapia por causa do braço, ou seja, mais gastos. Na cabeça, faço a soma de todas as contas. Vai ficar apertado, só que a minha irmã precisa se recuperar.

A sensação de voltar para casa me tranquiliza. Eu só quero esquecer toda essa experiência traumática, principalmente, para Izzy. Na portaria do prédio, passamos despercebidos pelos vizinhos fofoqueiros. A Nicky nos espera e dá um forte abraço em Izzy. As duas ainda estão abaladas com a situação.

— Senta. — pedi para Izzy que estava debilitada devido aos ferimentos.

— Eu sinto muito, Izzy. — lamentou Nicky, sentando ao lado da amiga.

— Gente, não vamos sobrecarregar a Izzy. O que ela precisa é de descanso. Vou preparar o seu quarto. — falou Miguel, que consegue se sair muito bem em momentos de tensão.

A Izzy não falou nada, apenas chorou. Lágrimas e mais lágrimas escorreram de seus olhos. Como o ser humano pode ser tão cruel. Um ataque transfóbico virou rotina no Brasil. Caralho de país escroto. Por que as pessoas precisam se incomodar com a vida alheia? O que vai mudar?

Depois de um tempo, Miguel volta do quarto e leva Izzy. Ele pede alguns remédios que vão ajudar a nossa amiga a dormir. Corro até a cozinha e pego todos os medicamentos. Em seguida, vou à geladeira e pego um copo de água. Ao voltar para o quarto, o meu namorado está ajudando Izzy a deitar.

— Tudo bem. Com cuidado. — ajudando Izzy a deitar. — É difícil. Eu sei. Já estive no seu lugar. Lembra como você me conheceu, né? A dor física é difícil, mas nem se compara com a dor emocional. — pegando um travesseiro a ajudando Izzy. — Eu vou ficar aqui, viu. Não vou a lugar nenhum. Você cuidou de mim. Ajudou um desconhecido. Você não está só, Izzy. Não vamos deixar acontecer de novo, eu prometo.

De repente, lágrimas escorrem dos meus olhos. Eu levo um tempo para me recompor. Não quero aparecer chorando na frente da Izzy. Temos que ser fortes. Mais fortes que esses filhos da puta. Mais forte que eles. Eles não podem nos vencer. Nós vamos ajudá-la. Em breve, isso vai ser apenas um sonho ruim. Uma lembrança borrada na memória dela.

Entro e entrego o copo para Izzy. Seus olhos estão roxos e inchados. Seu rosto tem vários arranhões e hematomas. A Izzy continua calada. Talvez ainda esteja processando o ataque. Quando eu era abusado pelo meu pai, eu vivia passando momentos horrorosos na minha cabeça. Imagino que passar por um ato de tanta violência a deixou surtada. Quem não ficaria?

Vamos para o quarto. Eu não sei o que conversar com o Miguel, porque o meu pensamento está 100% voltando para a Izzy. Ela não parece ser a mesma. Teve várias oportunidades para me provocar, mas deixou passar todas. Acabo me perdendo em minhas preocupações e durmo.

Apenas uma regraOnde histórias criam vida. Descubra agora