Yalçin

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- Até amanhã, Yalçin! – O velho homem cumprimenta, o homem só ergue a mão.

- Até amanhã, Yalçin! – Outro homem cumprimenta mais adiante e o homem segue no respondendo de forma discreta.

Ele ia andando pelo porto com passos firmes, por mais que fosse alto e grande, parecia menor, encolhido dentro das suas roupas velhas e gastas, ninguém podia ver seu rosto, ele andava assim, sempre de cabeça baixa, o cabelo e a barba grande eram sua proteção, assim como capuz do casaco impermeável.

Mesmo sendo um homem de poucas palavras, Yalçin era muito prestativo, sempre ajudava os homens do porto, logo ganhou o respeito e a simpatia deles, de alguns tinha a sua gratidão. Ele podia não falar muito, mas sempre era um bom ouvinte, quieto em seu canto, tirando os peixes das redes, ouvia o desabafo daqueles homens humildes, mas com problemas tão grandes ou até maiores do que os dele.

Na verdade, ele não tinha problemas, tinha uma vida simples, até demais. Era do porto para casa e de casa para o porto. As vezes saia para ver como estavam as coisas, fazer o que mais gostava na vida, seu coração sempre ansiava por aquele momento. Mas hoje não era o dia, mas teria um pouco da sua alegria. Sim, ele se tornou um homem de pequenas alegrias.

Agora mais do que nunca entendia seu irmão, o entendia mais do que nunca. Parecia que tudo estava dentro do esperado. Ele sempre dava um jeito de ajudar os outros. Era dele, mais forte que ele.

Carregava seu peixe, com os pensamentos na última visita que fez, aquele pensamento fez um sorriso discreto surgir no seu rosto. Quando se tornou um homem que se contenta com tão pouco?

No momento que não poderia ter mais nada daquilo, teve uma outra chance, então aceitou o que a vida tinha lhe dado, o que cabia a ele. E uma dessas coisas era sua casa humilde, a poucas quadras do porto, simples, mas diligentemente organizada.

Assim que se livrou do casaco e a calça impermeável, as galochas, foi direto para a cozinha, trouxera o peixe limpo, pronto para assá-lo. Era o mínimo que poderia fazer pela sua companhia, pois era grato por tudo que fez e ainda faz por ele. Foi tudo que lhe restou, quase tudo, mas a parte mais importante. Ainda existiam pessoas leais, ainda bem. Mas essas pessoas tinham que manter distância, tinham que ser cuidadosas, a única que podia se encontrar, ver, era ele.

Nada de mensagens ou telefonemas, o homem sentava-se em sua casa, a única visita que recebia, e dava um pouco de vida normal.

Daquele seu normal.

Pronto! Peixe no forno, era o momento de tomar um banho, não precisava estar cheirando a peixe para aquele jantar, a visita sabia que ele o havia pescado, não era necessário provar a procedência do peixe. Um leve grunido de humor veio em resposta ao pensamento.

Depois de um tempo, a voz grossa e profunda tomou a cozinha:

- Maldição!

O homem sacode a mão que acidentalmente havia tocado na assadeira quente onde estava o peixe, fechou o forno com violência, descontando sua frustração.

- O forno não lhe fez nada. – A voz mais velha veio cheia de humor.

- Toquei sem querer na assadeira quente. – Reclama como uma criança petulante.

- Não se vira um chefe de cozinha do dia para noite. – O idoso não deixa de fazer a zombaria.

Com uma expressão de poucos amigos, o rosto barbudo de Yaman olha por cima do ombro. Segurando um prato, caminha até a mesa e deposita o peixe sobre a mesa, entre as demais iguarias que havia tentado preparar. O homem mais velho olha para a mesa.

- Boa noite, Baba Arif! – Fala com ironia.

- Mas devo confessar, seu esforço tem sido admirável! – Arif continua na zombaria. Ignorando o cumprimento mal-humorado.

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