O toque delicado da mão dela o acordou, ele abriu os olhos lentamente e encarou aqueles olhos esmeralda que o encantavam. Ele olhou, hipnotizado, parecia um anjo contra a luz do sol, que fazia um contorno brilhante, era tão mágico e surreal. Ela estava ali.
- Como? – A voz rouca e descrente dele quebrou o silêncio.
- Nedim me contou onde estava. – A jovem falou com delicadeza. O cheio do peixe se misturava com o perfume tão doce que apenas ela poderia ter, contrastavam, como se um não pudesse existir no mesmo lugar que o outro. – Eu senti sua falta.
- Mas... – Ele tentou argumentar. Só que os dedos delicados pousaram em seus lábios. Ela o olhava com doçura.
- Eu já sei de tudo. Seu irmão vai ser julgado como merece. Eu vou fazê-lo pagar, da mesma forma como você pagou.
O ruído do disparo fez Yaman levantar-se bruscamente. O ruído do motor do barco, o piso duro do convés, o som do mar misturado com as vozes dos outros pescadores mais ao longe, o ar salgado, eram a lembrança de onde estava.
Deitou-se novamente, a cabeça apoiada em uma das boias, arrumou o capuz e ficou ali olhando o céu cinzento como seus pensamentos. Seus sonhos sempre faziam questão de lembrá-lo o que estava em jogo. Jogando na cara a realidade que o cercava, como uma forma de sabotar os pensamentos que tinha tido ultimamente. Só que sentir o perfume dela, foi tão tentador, fez ele querer muito mais. Mais do que podia.
***
Seher entrou no quarto, com um sorriso orgulhoso no rosto, ainda lembrando do último feito de Yusuf, foi lavar as mãos e o rosto para o jantar. Tinha acabado de vir com o menino na Escola nova, ele estava empolgadíssimo, tinha adorado conhecer o lugar.
Quando foi deixar a bolsa sobre a cama, percebeu sobre o travesseiro uma pequena barra do seu chocolate preferido de avelã. Olhou intrigada, pegou a barra, enquanto várias lembranças acordavam na sua mente, lembranças de dias tão felizes, ao lado dele, que sempre dava um jeito de agradá-la com uma barra daquelas.
Um sorriso triste surgiu no rosto e os olhos encheram d'água. Aquilo certamente era um agrado do Yusuf, era uma forma de reafirmar o quanto a perdoava. Ela não resistiu, como uma criança, abriu a barra e deu uma dentada. Fechando os olhos e se permitindo ser transportada para o passado, para aquelas lembranças.
***
Ele mordeu o chocolate enquanto saia andando pelo porto, ouvindo a sinfonia de sempre "Até amanhã, Yalçin!" ou "Amanhã nos vemos, Yalçin!". Ele apenas cumprimentando, só que era bem no automático, as lembranças dele estavam mais no passado. Na época que um simples chocolate como aquele, ajudava estabelecer conexões com ela. Como agora.
De cabeça baixa, ele saiu andando, precisava passar em casa, tomar banho, trocar de roupa. Ele sentia as borboletas que antes estavam na sua mente com ideias malucas, agora se alojarem no seu estomago, com a ansiedade crescente.
***
Seher estava sentada na cama de Yusuf, com o livro de história na mão, contando as lendas da Torre da Donzela:
- Então, com medo de que sua filha morresse através do bote de uma serpente, como diziam os profetas, o imperador construiu a torre no meio do Bósforo, assim ele a colocaria lá, deixando-a livre de qualquer profecia. Mas para nada serviu tal decisão do imperador, pois a princesa recebeu um cesto de uvas, da qual saiu uma serpente que a atacou provocando a sua morte, seguindo então a tão temida profecia.
- Tia, não entendi. – O menino olha confuso para ela.
- Essa história meu querido, tem vários significados, um deles é que não podemos lutar contra o destino, contra o que vai acontecer, por que as coisas acabam acontecendo como deveriam ser. Como eu estar aqui com você agora. – Ela acariciou o rosto dele. – A outra mensagem, é que não adianta afastar quem nós amamos para protegê-las, por que as vezes elas vão se machucar da mesma forma. Então devemos aproveitar o tempo que temos ao lado de quem amamos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Herança
FanfictionUm ato pode mudar toda uma história, gerar novos rumos. Uma bala pode abrir um universo de possibilidades. Uma decisão pode abrir as portas para uma nova vida.