Nada de Importante Aconteceu Hoje

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Yaman abriu a porta da casa simples, entrou falando um tímido:

- Entre.

Quando ele falou que precisava levá-la a um certo lugar, ela jamais imaginaria que seria algo como aquela casa. E quando ele a convidou, achou que era o certo a se fazer, mas naquele momento que ela entrou ali, ele já deixou de ter tanta certeza assim.

O homem tirou o terno, ficando só de camisa e calça preta, calçou a sandália cinza que ela conhecia muito bem, como haviam parado ali?

Yaman por sua vez entregou para Seher uma sandália de tom creme, normalmente era Baba Arif que usava aquela sandália quando vinha visitá-lo. Logo o homem sumiu em direção a cozinha, rapidamente.

O terno alinhado que ele usava anteriormente, aparentemente novo, contrastava com os casacos pendurados no cabide, bem velhos e surrados. Até um casaco do tipo impermeável com capuz, estava pendurado ali.

O engraçado é que todas aquelas roupas simples e humildes combinavam com a casa igualmente simples e humilde, quase espartana, com poucos móveis, apenas o necessário para se viver.

Ela entrou na cozinha igualmente que seguia a mesma linha do restante da casa. Seher sentou-se em uma das cadeiras da pequena mesa e ficou observando o local, não sabia o que era mais estranho. Ele vestido tão elegante nas suas roupas novas dentro daquele espaço tão modesto, ou a forma como se movia com desenvoltura enquanto preparava o chá, mostrando o conhecimento que já tinha do lugar, algo que ele não tinha dentro da própria cozinha de sua casa anterior.

O homem veio com as xícaras e as colocou sobre a mesa rapidamente, fazia tudo com pressa e de forma bem diligente, como se fosse o cozinheiro de um restaurante e um cliente exigente ocupasse uma das mesas. E ela por sua vez apenas o observava, tentando assimilar as últimas horas quando tudo mudou completamente na sua vida, quando sua culpa assumiu um novo patamar, ao saber tudo que aconteceu e aquele homem voltou para a sua vida sem ser o monstro que ela imaginava que ele fosse.

Um homem que viveu em uma casa tão simples, que as vezes parecia que a cabeça dele ia bater no teto baixo. Aceitou muitas coisas em nome daqueles que amava. Enfrentou a morte de forma resignada por amor. Ela tinha vontade de berrar com ele por tudo que ele a fez passar. Mas tudo, mesmo que seja de uma forma maluca e bagunçada, era a forma que ele tinha de dizer que ama, de cuidar daqueles com quem se importa.

Ele trouxe a chaleira e preparou o chá para cada um, temperando com água de acordo com o gosto dela, algo que ele nunca esqueceu. Então sentou-se em uma cadeira de frente para ela, mexeu a xícara de cabeça baixa, estava tímido e achando que trazê-la até ali, não havia sido uma boa ideia, sem entender o porquê, sentiu vergonha.

- Aqui que ficou todo esse tempo? – Seher perguntou de forma delicada, quebrando o silêncio e o gelo.

- Sim. Eu encontrei este lugar quando vim até o porto procurar trabalho. – Falou de forma resignada, mostrando o quanto tinha aceitado o rumo que sua vida havia tomado.

- Trabalho? Você trabalhou no porto? – Perguntou com a voz cheia de surpresa.

- Sim. Precisava me ocupar, a princípio essa seria a minha vida. – Ele continua a falar olhando para a xícara, como se algo fascinante estivesse no fundo dela.

- Eu sei. – Seher suspira e dá um gole de chá.

- Eu só vou até onde você permitir que eu vá. Tudo que eu falei naquela estrada, nada muda, eu não consigo me afastar de você, ficar longe de você, mas o espaço que vou poder ocupar, apenas você poderá determinar. – Yaman colocava as cartas na mesa sem medo, a encarando, determinado, a fazendo corar.

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