Z de Zumbido

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Sinopse: a vida de Marco foi ditada pela música, cada momento era gravada por uma canção, tudo para ele se resumia ao som, até aquele zumbido baixo e constante aparecer.

Baseado em "The sound of metal".

Para Marco a música sempre foi o epicentro de sua vida. Desde pequeno já se arriscava a cantarolar com seus grunhidos incompreensíveis de bebê antes mesmo de aprender a falar, tentava acompanhar as melodias que seus irmãos mais velhos colocavam para ouvir nos finais de tardes.

Quando tinha 7 anos se apaixonou pelos Beatles, mesmo sem saber pronunciar o nome da banda, pedia para que os mais velhos colocassem a música do submarino dos caras que atravessam a rua.

Aos 10 descobriu seu interesse pela guitarra ao ver pela tv uma reportagem sobre Jimi Hendrix, se encantando pela forma como o guitarrista conduzia seus solos.

Aos 11 começou a aprender a tocar em uma escola de música, foi lá que conheceu o garoto que o faria se apaixonar ainda mais pelas canções.

Conhecer Ace foi um marco em sua vida musical, o garoto era um fã de rock e músicas alternativas, apresentou-lhe Pink Floyd, Rush, Joy Division, Black Sabbath e muitos outros.

Em pouco tempo, os dois jovens aspirantes a guitarrista se tornaram próximos, dividindo os fones de ouvido e trocando gostos musicais, desvendando o mundo da música em conjunto.

Aos 15 anos formaram uma banda amadora que se reunia vez ou outra apenas para tocar e rir de seus covers mal-sucedidos.

Aos 17 anos a banda se desfez, mas os dois garotos seguiram juntos, tocando e cantando apenas por diversão, fazendo de suas tardes um momento único em que se divertiam imitando aqueles que os inspiravam, rindo juntos das encenações que faziam, como se fossem estrelas do rock estrelando seus shows.

Aos 19 anos o loiro juntou toda a coragem que tinha dentro de si e se declarou ao moreno, tocando e cantando a música favorita de ambos "I don't wanna miss a thing" do Aerosmith.

Foi ao som de Guns n' roses que tiveram a primeira grande briga e por imaturidade se separaram, naquele primeiro relacionamento de ambos, lidar com os ciúmes e inseguranças fora mais complicado do que parecia.

A partir dos 20 o loiro se rebelou com a vida, embalado por sua revolta de jovem adulto e por "Another brick in the wall", vendo que cada pessoa era um tijolo naquela muralha que era o sistema.

Por tal motivo se deixou levar por suas vontades e curiosidades, passou os dois anos seguintes experimentando tudo o que não fizera em sua adolescência.

Contudo, bastava ouvir a voz melodiosa de Steven Tyler que tudo perdia o sentido e a imagem de seu primeiro amor resurgia em sua mente, com um desejo latente ao qual nunca fora esquecido.

Aos 22 reencontrara e reatara o namoro com Ace, agora um pouco mais maduros e com seus caminhos traçados para um futuro em casal, visando progredirem e evoluirem em conjunto.

Aos 25 foram em um show juntos, enquanto os riffs de guitarra preenchiam o ambiente um pedido de casamento foi proposto, no meio da multidão as vozes e gritarias pareciam abafadas para que ambos pudessem ouvir o tão esperado "sim".

E agora, aos 30 anos de vida, Marco se encontrava no otorrinolaringologista, dentro de uma câmara com fones em suas orelhas, erguendo a mão sempre que ouvia um zumbido alcançar seus ouvidos.

Eram zumbidos baixos, quase inaudíveis que possuiam um tempo extenso entre eles, fazendo o loiro se questionar se todos provinham dos fones ou de sua mente.

Ao sair de dentro da cabine, ainda conseguia ouvir um baixo e insistente zumbido, tão baixo que o loiro pensou ser apenas uma alucinação, uma repetição de sua mente dos sons que saíram do fone.

Contudo, sua ideia fora logo descartada pelo médico que lhe mostrou sua perda auditiva que progrediu exponencialmente nos últimos meses.

Não havia mais do que 20% da capacidade auditiva em seu ouvido direito e 35% do esquerdo.

Naquele dia, Marco não voltou a escutar música.

Quando Ace soube, tentou não se abalar e dar o apoio que seu marido precisava, entretanto, com o passar dos meses a voz macia não alcançava mais os ouvidos do loiro, nada mais escutava além dos malditos zumbidos.

O epicentro da vida do loiro desmoronou, já não podia ouvir mais nada, nem mesmo a voz daquele que amava, nunca mais escutaria as risadas do moreno, as canções embaixo do chuveiro, os pequenos shows que faziam no meio da sala enquanto limpavam a casa, também não reescutaria a música que embalou o começo de namoro, muito menos as que os conduziram até chegarem ali.

Aos poucos até mesmo os zumbidos pararam e ali Marco estagnou, trancado naquele desespero desolador de nunca mais ouvir, nem ao menos seu choro escutava, seus soluços estavam sem som, apenas sacudindo seu corpo em pura agonia, seus olhos estavam embaçados pelas lágrimas que derramava sem cessar.

A tristeza e a desesperança o assolaram por dias, não conseguia aceitar que algo assim acontecera consigo, não quando tudo o que lhe era mais precioso se relacionava ao som, não quando seu mundo girava única e exclusivamente por sua audição.

Aos poucos estava isolado em seu próprio mundo, seus demais sentidos amortecidos e insensibilizados pelo duro golpe de realidade que o atingira, estava surdo, sem nem um porcento de sua audição e aquilo era um tremendo choque para si, fora sua maior e mais terrível perda.

Nunca mais voltaria a ouvir como antes, mesmo que colocasse um implante coclear sabia que não seria a mesma coisa, tinha total ciência de que não mais ouviria o timbre da voz do moreno, nem o escutaria dizer seus diversos "eu te amo" ao longo do dia, muito menos ouví-lo inventar alguma canção de amor fazendo as piores rimas possíveis, nem ao menos a música seria a mesma.

Entretanto, Marco sabia que apesar disso ainda haveria algo que seria o de sempre: o amor que tinham. Mesmo que tudo desmoronasse, que nada mais fizesse sentido, que o mundo inteiro não passasse de um zumbido, ainda teriam um ao outro para se apoiar, para se erguer e se adaptar.

Mesmo que a música não seja como antes, mesmo que a batida não seja mais ouvida, mesmo que as risadas não tenham mais som, ainda ressoa a canção do amor a cada pulsação de seu coração, naquela mão estendida para si e no sorriso confiante do moreno, a exata confiança que ele lhe passara ao dizer as palavras de que estariam para sempre juntos, na saúde e na doença, até que a morte os separe.

Palavras que não mais escutaria, mas que estavam gravadas eternamente em sua alma.

Marace - alphabet projectOnde histórias criam vida. Descubra agora