Espanha - São Paulo (1)

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 Acordei com o barulho de uma criança chorando algumas fileiras atrás e reparei que meu fone estava caído, puxei de volta para cabeça sabendo que provavelmente ficaria dolorido por ter torcido a orelha direita e trocando o som do choro pela voz da Elza Soares no início da carreira.

Eram 4h da manhã, abri um pouco a janela vendo a luz da asa piscando e algumas poucas nuvens abaixo. Segundo o mapa, estávamos atravessando o oceano e tínhamos 3 horas de vôo pela frente.

Reparei que ele ainda não tinha acordado, dormia tranquilamente na poltrona ao lado. Logo que apagaram as luzes do vôo se ajeitou pra dormir, dizendo que estava bem cansado e que se precisasse era só chamá-lo. Fiquei pensando no que precisaria dele durante um vôo de 10 horas, talvez ao levantar para ir ao banheiro.

Ri sozinha, há 1 ano nunca imaginaria passar as festas de final de ano em Porto, muito menos com ele ali comigo indo encontrar minha família. Nos últimos anos minhas tias que sempre vinham passar conosco no Brasil.

Eu conhecia o Gustavo desde sempre. Nossos pais eram amigos na faculdade e depois de casados compraram casas no mesmo condomínio. Ele é 4 anos mais velho, mas como crescemos juntos, essa diferença de idade acabou não pesando muito em nossa amizade, ainda mais com os dois como filhos únicos.

Há pouco mais de 4 anos o pai dele recebeu uma proposta para mudar para sede da empresa na Espanha e ficamos os 3 meses entre a decisão do Claudio aceitar a proposta até a viagem em si fazendo mil planos de continuarmos conversando sempre, como se não existisse um oceano inteiro entre a gente.

Era claro pra mim que todos aqueles planos funcionariam só no começo e que com o tempo essa vida de São Paulo não teria tanta graça como todas as experiências que ele teria por lá. Já não éramos mais tão próximos desde que ele entrou na Universidade Federal de Minas Gerais, vindo para São Paulo a cada 2 meses e já não tínhamos nenhum amigo em comum.

Eu com meus 15 anos e ele com 19, tentando esconder toda a excitação de continuar o curso de arquitetura em Madri com possibilidade de aprender sempre alguma coisa nova só por estar ali andando pela rua.

Na última noite deles em São Paulo meus pais fizeram um jantar de comemoração e, como sempre, ao final todos estávamos rindo em algum jogo de cartas em duplas. Nessa hora que percebi como sentiria saudades deles ali conosco e que mesmo com essa distância do Gustavo no último ano por causa da Universidade, sentiria uma falta gigantesca dele.

Nesse mesmo momento que percebi esse sentimento de falta me assustei com um outro pensamento, será que ele também iria sentir minha falta? Era uma falta como a irmã? E se eu gostasse dele? Claro que ele era lindo, todas minhas amigas quando vinham em casa e ele estava próximo falavam disso. Várias já tinham tentado se aproximar dele e ele sempre se afastava, mas nunca tinha visto ele com uma outra garota. Será que ele tinha alguém em Minas? Sabia que ele sempre tinha alguma garota por perto, mas nunca tínhamos falado sobre isso!

_Mona, você está perdida em que planeta? - ouvi meu pai chamando, olhei pros cinco que me encaravam - A Vanessa estava perguntando se você prefere buscar as caixas com os vestidos agora a noite ou amanhã.

_Ah, desculpa... Acho que hoje fica melhor não é? Ai amanhã vocês ficam tranquilos pra fechar o que precisar.

_Ok, filho você ajuda ela a trazer as coisas? - ele concordou, minha mãe começou a falar sobre o bazar que estavam organizando e me perdi de novo olhando para o Gustavo. Essa vinda com as caixas de vestido seria nosso último momento sozinhos por não sei quanto tempo e senti novamente aquele aperto no coração.

Começaram as despedidas, abraços de boa sorte e todos aqueles desejos de sucesso nessa nova fase profissional para eles. Fui com os três caminhando até a casa no final da rua. Tudo já estava fechado e embalado para ser despachado dali a 2 dias, o que estava de fora ficaria para a nova inquilina.

Vanessa nos indicou as 3 caixas e o Claudio foi buscar a chave do carro, não era uma opção voltarmos com tudo aquilo na mão. Colocamos no porta malas, me despedi novamente deles e sentei no banco do passageiro sentindo um nó na garganta.

_Por que essa cara? Não estamos indo pra outro planeta - olhei pra ele, senti os olhos enchendo de lágrimas - Sério Mona, sei que você não gosta de despedidas, mas são só umas 11 horas de vôo.

Escondi as mãos no rosto, ouvindo ele estacionar e respirando fundo. O motor desligou e senti as lágrimas escorrendo pelo meu braço.

_Mas eu não posso pegar 11 horas de vôo sempre. Você nem vai mais lembrar de mim daqui a alguns meses.

_Claro que eu vou, esqueceu que te conheço desde que era só um gergelim na barriga da tua mãe? - tirou minhas mãos do rosto, vi que estava sorrindo - pára de drama, seus pais mesmos falaram que vocês vão passar algumas férias conosco.

Concordei fazendo força pra parar de chorar e tentando esquecer que tinha há poucas horas reparado que gostava dele mais do que um melhor amigo, ao mesmo tempo que me perguntava se era isso mesmo ou se era só esse pânico deles irem embora.

Ele saiu do carro e começou a colocar as caixas junto com as outras na garagem, que minha mãe já tinha arrecadado. Levantei, olhando para a casa e vendo que meus pais não estavam na cozinha ali no fundo. Dei a volta e parei próxima do Gustavo.

_Acho que nem vou te dar tchau, pra você não começar a chorar de novo e eu ir embora justamente com a lembrança dessa cara vermelha - ri, ainda sentindo algumas lágrimas escorrendo e sem conseguir falar nada. Ele limpou algumas e me abraçou.

_Estou feliz por vocês, de verdade. Mas vou sentir saudades.

_Pode me mandar mensagem, você sabe. Lembra que sempre estarei aqui por você.

Concordei, respirando fundo e conseguindo parar de chorar aos poucos. Me soltei ali do abraço e encarei aqueles olhos verdes à meia luz, até eles sorriam e tinham aquele brilho de que amanhã iniciariam uma nova vida.

Num segundo que o mundo sumiu reparei uma mudança nos verdes e preenchi aquele espaço entre nós dois com um beijo tímido, apenas aquele toque leve dos lábios entreabertos e a lembrança do chocolate que tínhamos comido. Ele me abraçou e me aproximei sentido uma pressão maior e um arrepio quando percebi a língua dele trazendo um ritmo para aquela dança entre nossas bocas, apertando seu braço pra tentar me segurar daquele mergulho.

Nos soltamos e reparei que sorria. Beijou meu rosto e desejou um boa sorte, sempre que precisar me liga. Entrou no carro e o ouvi indo embora, com minha boca ainda totalmente preenchida dele.

Amores de MonaOnde histórias criam vida. Descubra agora