4 - Mais humano, impossível

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— Aaaaiii... – A dor no meu corpo me faz ter certeza de que, dessa vez, eu realmente acordei. – Que dor de cabeça...

Eu abro meus olhos e quem diria, mais metal. Não é que seja uma decepção ou uma surpresa ver mais uma parede de metal quando eu acordo. É só que, ver isso significa que tudo isso que aconteceu agora foi um sonho, nada do que aconteceu antes foi um delírio e eu realmente estou sem respostas e na merda. E mesmo acordando com a cara virada pra parede, dessa vez eu não tenho dúvidas. Essa é, com certeza, minha cela dentro desse lugar.

Pelo menos, sentindo agora, eu vejo que estou usando roupas. E parece que eu estou dormindo num lugar... confortável? Eu fico até descrente ao perceber que estou numa cama de verdade. Não que seja a cama de melhor qualidade, na verdade não passa de um colchonete recheado de feno, mas é infinitas vezes mais confortável do que todos os lugares nos quais eu lembro de ter dormido até agora.

Eu ouço um gemido fraco vindo de trás de mim.

Ao me virar, eu vejo um homem deitado em uma cama do outro lado da cela. Ele parece ter acabado de levar uma surra e, desconfortavelmente tenta achar uma posição para ficar.

Ele parece jovem. Seus olhos negros e sua pele cinza, quase tão escura quanto as paredes de metal, contrastam com seu cabelo curto e prateado. O que é ele afinal? Seja o que for, não parece humano...

Ele usa um uniforme branco meio encardido com algo escrito em preto acima do peito esquerdo (bem parecido com o que eu estou usando, agora que eu percebi).

A diferença é que meu uniforme parece ter ficado um pouco grande pra mim. As mangas longas cobrem minhas mãos e eu não consigo ver meus pés, que se escondem dentro da calça. Será que eles pensaram que eu seria maior ou algo assim?

Talvez eles só não se importem mesmo.

Eu não reconheço os símbolos no uniforme. Na verdade, eu não consigo nem dizer se são letras ou números... Será que eu não sei ler ou eu esqueci como se faz?

Eu tenho quase certeza que eu já soube. Talvez. Quer dizer, eu tenho essa impressão, mas não tenho provas. Não vou dizer que eu consigo recitar todas as letras em ordem nesse momento, porque isso seria mentira, mas se alguém me falar aleatoriamente umas palavras, existe a possibilidade de que eu saiba colocá-las em ordem.

Aaaaaah, não sei! É muito confuso achar que sabe das coisas enquanto não lembra de nada. É como se eu constantemente tivesse uma palavra na ponta da língua. Aquela que eu quase lembro, mas acaba escapando no último momento. Só que isso, multiplicado por muito e com quase tudo que eu tento lembrar. Sorte minha que eu ainda sei falar...

Eu não preciso olhar muito em volta pra ver a cela toda. Ela é constituída apenas de duas camas embutidas em lados opostos, uma porta sólida em uma das paredes de metal e uma espécie de cristal branco preso no teto que brilha iluminando a sala inteira. Não é um lugar espaçoso, já que a outra cama fica a quatro passos da minha, mas podia ser pior de várias maneiras.

—Ei, você! – Eu tento chamar a atenção do homem deitado.

Ele se vira lentamente até que seu olhar encontra com o meu. Nesse momento ele vira subitamente de costas, evitando totalmente contato visual comigo e ignorando meus próximos chamados, como se não estivesse me escutando.

É, fazer o que, né. Eu não tinha a intenção de fazer um novo amigo, mas pelo menos esperava conseguir algumas informações... Bom, acho que eu devo ficar feliz pelo fato de que meu colega de cela não parece ser alguém que quer me matar! Pelo menos por enquanto...

Finalmente alguém que não parece querer que eu morra!

Pensar isso força na minha mente a visão do que aconteceu a pouco e eu instintivamente ponho a mão na minha nuca. Eu sinto ali, queimado e gravado na minha pele, o lugar no qual me marcaram com metal em brasa.

Aço Carmesim - As Paredes de Ferro NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora