O Conto das Parcas: As Três Maldições - Vol II

Clara em: "Eu me recuso!"

Era noite, Clara estava no terraço do prédio das Amazonas. As luzes cintilavam lá embaixo e a cacofonia de motores e buzinas era alta. São Paulo era uma metrópole e seu tamanho e movimento impressionavam a garota. O vento batia em seu rosto e sacudia seus cabelos cacheados. Ela adorava a sensação da brisa em seu rosto, trazia uma certa liberdade. Mesmo que o cheiro do ambiente ou mesmo o barulho dos motores não fossem seus preferidos, olhar para a amplitude da paisagem lhe fazia viajar. 

Tanta coisa havia mudado nos últimos meses que ela não conseguia nem enumerar todas as situações. Fugir de casa pois os pais começaram a agir estranhamente, encontrar outros adolescentes perdidos, se descobrir filha de um deus grego, participar de um acampamento/refúgio/centro de treinamento de heróis, lutar contra monstros, enterrar companheiros, sair em missão, se apaixonar… Coisas demais para uma garota de dezesseis anos. Okay, às vezes ela se sentia sufocada tendo que lidar com todas essas coisas ao mesmo tempo, pois ela era do tipo que se importava, mesmo tendo um semblante calmo, internamente era um turbilhão de sentimentos. E quando isso acontecia, precisava se afastar e respirar, olhar para o todo e voltar focada.

Seu pé ainda doía. Depois de uma batalha apostando a lealdade das amazonas, acabou sendo esfaqueada por Cintia. A filha de Hermes venceu a luta e seu pé havia sido tratado, mas a fina cicatriz ainda era recente. As semideusas guerreiras eram muito bem-informadas, por liderarem um centro de distribuição continental, sabiam de muitas coisas, inclusive ajudaram a descobrir os próximos passos da missão e onde era o quartel general dos daemones. Segundo elas, um prédio em Curitiba estava recebendo muitos armamentos mágicos e também contratando muitas criaturas mercenárias. Provavelmente o exército de Alastor estava crescendo. 

Vanessa fez uma ligação de Íris para as outras duas equipes, porém a conexão estava muito ruim por motivos desconhecidos e demandou muito esforço. Conseguiu falar resumidamente o que havia descoberto e pediu para que os aliados, assim que resgatassem as armas, fossem rapidamente para a capital do Paraná, pois provavelmente os reféns estavam lá. Clara ficou angustiada por não conseguir saber como os outros estavam. Suspirou profundamente e quando deu por si estava associando a escuridão fosca do céu com o cabelo do Mike, e seu estômago revirou. Claro que ele estava bem, mas até que ponto as inconsequências e o ego o permitiriam voltar para ela são e salvo? 

-Mesmo com um rosto tão calmo e sério, dá pra escutar sua inquietação e ansiedade lá do térreo. O que tá pegando? - Maia estava com um lindo pijama de cetim violeta e chinelos brancos nos pés. Seus óculos emolduravam olhos  profundamente análiticos. 

-Seria estranho eu contar coisas particulares para alguém que eu acabei de conhecer, não acha?! - Clara não foi ácida, mas seu tom de voz não era convidativo. Ela transbordava um respeito comedido. Era a mesma postura que um aluno tinha quando era confrontado por um professor não muito simpático, uma afronta disfarçada de bons modos. 

-Não precisa ser sutil comigo. Na verdade, nem precisamos conversar… estou aqui pois entre as três, você foi a que mais me chamou a atenção. Claramente a filha de Íris é alegre e contagiante. Tem aquele perfil de amiga popular e sempre rodeada de pessoas. Já a cria de Plutão é mais reservada e audaz. Não gosta de desaforos e nem de ser diminuída. Mas você… Você é uma grande folha em branco… E isso me intriga, filha de Hermes - Maia se aproximava e não conseguia esconder a curiosidade - É como se fosse capaz de qualquer coisa se estimulada do jeito certo. 

Instintivamente Clara ativou seus poderes e deu um grande salto para trás. As asas em seus tornozelos, benção de seu pai, lhe dava uma mobilidade incrível. Ela não era do tipo que dava confiança a qualquer um. Diferente de Betina e de César, ela preferia saber onde pisava. 

-O que você quer comigo? - perguntou a garota. 

-Eu já disse! Só estou curiosa! -argumentou a filha de Baco - somos aliadas juradas pelo Estige. Não vou te fazer mal algum. Só quero saber onde a sua mente está!