Sétimo Capítulo

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Olivia mal parou em casa para descansar. O dia da encenação da Paixão de Cristo exigia a sua presença nas preparações. A casa ficou por conta dos quatro filhos que trabalhavam simultaneamente. Clarice limpava o quintal enquanto Marina varria a casa. Vitor, que fazia o almoço juntamente a Francisco, cortava as batatas quando falou:

- E aí, campeão? Vai fazer o que hoje? - Vitor diz em um tom animado.

- Hoje? Como assim? - Francisco pergunta.

- Na apresentação. Você vai ser quem? A árvore? Esqueceu que você vai interpretar o apóstolo Pedro?

- Sim, eu sei. Por quê está me lembrando? Eu sei de todas as cenas de cor e Pedro não fala muito nelas.

- Tem certeza que você vai ? - o irmão pergunta inseguro.

- Claro que vou! Por quê não iria? Sempre ajudei a Igreja e a nossa mãe. Não ia fazer uma coisa dessas. - responde firmemente.

- Tudo bem, se você diz! Só espero que saiba as cenas de cor de verdade.

Francisco podia não ir muito nas apresentações por causa das reuniões do centro, mas tinha todo o roteiro dos personagens. Ele leu bastante e observando as cenas das poucas vezes que foi para o ensaio, preparou-se com a base que tinha.
Ele estudava muito sobre os apóstolos e toda a trajetória de Jesus e sabia como se comportar com as características de cada um.
A hora de se apresentar ia chegando e Francisco, trocou as suas roupas e colocou rapidamente as vestes que eram parecidas com as de Pedro. Em seguida, foi para a praça pública, local onde a encenação iria ser feita para que todos, independentemente da religião, assistissem. Seu irmão, que por conhecidencia ficou com o apóstolo André, irmão de Pedro, olhava-o atentamente para ele quando era a sua vez de falar na cena. Francisco, por sua vez, mostrou que sabia o que estava fazendo e as vezes piscava para o irmão, deixando Vitor impressionado com os improvisos que ele fazia das partes que não se lembrava.

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Carla, entediada e sem saber o que iria fazer durante a noite, decide ir a praça, com a sua tia, para ver a apresentação que teria alguns colegas de escola. Tiraria bastante fotos para postar mais tarde no grupo e ver os comentários que iriam se criar.
Enquanto todos assistiam a apresentação, Carla começou a olhar para as pessoas, notando uma menina nas cadeiras da frente que tinha quase as mesmas características de Tereza.

" Não pode ser. Essa garota está me perseguindo?" - pensa rangendo os dentes.

Foi nessa hora que Francisco entrou e ela assimilou tudo.
Indignada, remoia-se por dentro e não conseguia tirar os olhos da menina, principalmente quando ele sorria para ela. Até que teve uma ideia. Para acabar com aquele romance dos dois na frente do público, resolveu fazer um escândalo. Como descobriu que sua tia não gostava muito da mãe de Francisco, resolveu usar ela para tirar aproveito da situação.

- Tia..- ela pega no braço da tia.

- O que foi? Já quer ir para casa? Eu bem que estava admirando a sua capacidade de ficar aqui e assistir algo relacionado a Igreja. - ela diz olhando diretamente para a sobrinha.

- Tá vendo aquele menino lá? - ela aponta quando eles se encontram reunidos em pé.

- Qual dos treze?

- Francisco, filho de dona Olivia.

- Sim, o que tem ele. - tenta vê-lo.

- Ele não é católico. - diz esperando a reação da tia.

- Como???? - arregala os olhos para a sobrinha.

- Eu vejo ele todas as noites no centro espírita. Soube até que ele está palestrando lá. A senhora tem que fazer alguma coisa. Isso não pode ficar assim. - ela provoca e Márcia concordando decide se levantar da cadeira e começa a falar.

- Não vai mesmo ! - grita e todos olham para ela arregalando os olhos.

" Vixe, enlouqueceu de vez agora. " - Olivia pensa balançado a cabeça.

- Você...- aponta para Francisco indo até ele. - Por quê está aqui?

Francisco aponta para si próprio e ela balança a cabeça confirmando.

- Sim. Você mesmo. O que faz aqui? - diz com a sensação de poder nas mãos.

- Eu? Estou atuando. - diz sem entender o que acontecia.

- O que é que aconteceu agora, Márcia? - Olivia vai até Francisco com os braços cruzados.

- O que aconteceu? O que aconteceu é que ele está interpretando Pedro, mas na verdade deveria interpretar Judas, porque ele é um traidor! - ela diz olhando atentamente para o menino.

- Desculpe, mas não estou entendendo o que a senhora está falando. Quer conversar em outro local para resolvermos isso? - pergunta calmo.

- Não! A revelação tem que ser aqui, na frente de todos. - ela olha em volta. - Sua mãe, que se acha a santa da Igreja e sempre me maltrata, tem um filho que é espírita! - grita em um tom mais alto fazendo com que todas as pessoas escutassem em um bom tom de voz.

O padre, escutando a discussão, foi até Francisco.

- Está vendo padre? Ele da até palestra lá e vem aqui para fazer isso. Quem deveria interpretar o apóstolo era alguém da nossa Igreja.

- Calma, Márcia. Não grite. - ele fala calmo e olha para o menino. - Filho, você é mesmo de outra religião?

Francisco constrangido com tal acontecimento, olhou em volta e viu a sua mãe com o semblante de tristeza e preocupação. Parou dois segundos, respirou e falou em um tom calmo.

- Padre, sempre quis muito bem a essa Igreja e a esse povo. Nunca imaginei que isso poderia acontecer comigo aqui, rodeado de amigos e de pessoas de bem. Sim, eu sou espírita e digo isso para quem quiser ouvir, mas estou aqui porque sempre gostei de ajudar as pessoas no que elas precisam. Como a Igreja não tinha rapazes o suficiente para a apresentação, eu mesmo me disponibilizei para dona Claudia, que dirigiu os ensaios, e ela aceitou meu convite com carinho. - ele olha para Cláudia. - Também é da vontade da minha mãe que eu participe da encenação, por isso eu peço ao senhor, padre, que não encerre a apresentação assim porque independente da religião, todos merecem escutar a palavra de Deus.

O padre analisou a situação e disse:

- Claro meu filho. Continue com a apresentação! - ele diz impressionado com as palavras do menino e se vira para o público. - Peço desculpas por esse transtorno e prometemos que isso não irá se repetir novamente. A apresentação pode continuar. - vira-se para Márcia. - E você, Márcia, volte para o seu lugar.

- Mas..

- Sem mas. Ele está certo. Nos estamos em praça pública para que todos assistam a apresentação, independente da religião. Não vamos criar discussões desnecessárias. - ele sai com Márcia e a apresentação continua da onde tinha parado.

Carla, vendo que na verdade aquela menina não era Tereza e que a discussão não tinha dado em nada, sai dali e vai para casa.

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Após Vitor e as duas meninas subirem para o quarto, Olivia fala com o filho.

- Estou muito orgulhosa de você, meu filho! Você conseguiu rebater as palavras daquela mulher para longe! - ela põe a mão em sua face.

- Muito obrigado, mãe. Mas foi a bondade do padre. Se ele não tivesse me escutado e dado ouvidos a dona Márcia, eu não poderia continuar na apresentação. - ele diz sorrindo.

- É , realmente. O padre Renato é um bom homem. Ele sabe que aquela mulher discute por qualquer coisa.

- Em outro momento, ele me disse que eu posso continuar ajudando a Igreja no que precisar e que iria conversar com dona Márcia.

- Ela não tem jeito mesmo. Com ou sem conversa ela não vai escutá-lo. Sempre foi assim. - diz respirando fundo.

Amor de Outras VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora