special chapter III

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Missiva à Uma Flor


O dia amanheceu chovendo, passei o dia ocupado com minhas tarefas diárias e só pude ver teu sorriso por uns poucos segundos à distância, mas foi o suficiente para pôr-me à pensar.

A vida é mesmo injusta Kaline, as vezes me pergunto se não é verdade o que dizem sobre Deus dar asas a quem não sabe voar, me pergunto por que Ele permite que a gente acolha sentimentos tão doloridos dentro de nós?

Por que Ele me permitiu estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe de ti, minha meiga flor de fogo, por que tenho de passar pelo tormento de mirar seu rosto todos os dias sem poder te tocar?

Passar meus dias desejando o sabor de seus lábios mas tendo de me contentar com um sorriso de amigo?

Kaline, minha amada Kaline, não tens ideia do que é desejar ardentemente algo que está tão longe de ti, mas que és obrigado a ver todos os dias, é o eterno círculo vicioso da saudade que rasga tua alma em dois pedaços.

Me arrastei a passos lentos pelas ruas já escuras da noite parcamente iluminada pela lua, o caminho já decorado passava inconscientemente sob meus pés enquanto a cabeça voava a mil pensamentos.

Sentei-me à beira do mesmo riacho onde dias antes eu estava, as águas silenciosas espelhavam a face da lua enquanto meus pensamentos iam e vinham.

Pensamentos e sonhos inalcançáveis, distantes, impossíveis.

Tua pele clara como a neve, macia como o pêssego, teus cabelos vermelhos como as chamas das lareiras em manhãs de inverno, teu sorriso angelical, inocente, teu riso discreto e até tua teimosia em querer as coisas, mesmo quando apresentam-se tão claramente impossíveis.

És a verdadeira metade de mim, a única que me completaria eternamente, tuas qualidades e defeitos sobrepostos e controlados com os meus, nossas vidas entrelaçadas e escritas em linhas disformes e distintas e ao mesmo tempo tão únicas.

Eu queria a todo custo me acostumar com a dura realidade, mas era tão impossível quanto tocar a face da lua nas águas gélidas do riacho espelhado.

Não imaginei que algum dia meu coração se despedaçaria dessa forma, mas a cada dia tudo ia ficando mais e mais claro pra mim, até que inevitável e inconsciente acabei aqui, sentado ao tronco de uma árvore, à beira do riacho, tentando digerir esta amarga verdade entalada em minha garganta que dia a dia sufocava-me um pouco mais, verdade mais fria era que as lágrimas que molhavam minhas mãos naquele momento e que estavam contidas já há tanto tempo sem que eu notasse.

Sim eu chorei.

E não tenho vergonha de dizê-lo.

Pois amar tão profundamente alguém que não te vê como algo mais do que um amigo ou irmão pode ser um castigo pior que a morte.

Quisera eu ter morrido em lugar de minha mãe, assim minha família estaria bem e eu não passaria por esse tormento.

Minha meiga Flor de Fogo, razão de meu viver, tudo de meu ser, quisera eu dispor o mundo a teus pés, realizar teus desejos e sonhos mais inalcançáveis, só para em troca contemplar eternamente teu maravilhoso sorriso.

Mas a vida é injusta.

Deus, como a vida é injusta!

ETHRIONNOnde histórias criam vida. Descubra agora