“Se eu tivesse um mundo só meu, nada teria sentido...Nada seria o que é porque tudo seria o que não é.”- Alice no País das Maravilhas
No dia seguinte, eu e Lux estávamos ao redor de uma fogueira em plena 3:00 da manhã. O silêncio na clareira era confortável, e a presença da platinada ao meu lado preenchia um vazio que eu nem sabia que existia no meu peito até esses dias.
O clima era fresco, e de vez em quando o vento gelado vindo do Reino das Neves passava por nós, arrepiando um pouco em contato com a pele. Mas o frio causado pela madrugada era muito bem recompensado pela paisagem lindíssima do reino. O "chalé" que na verdade beirava a quase uma mansão de 15 quartos feita de madeira e pedra polida. O enorme canteiro de peônias ao redor do chalé dava ao lugar uma boa primeira impressão e dava vida ao ambiente. Essa vista seria uma ótima foto para ser emoldurada...
— Você nunca me contou o que estava escrito no seu pergaminho.— perguntei a Lux, que devorava as sobras dos biscoitos da noite passada.- Conseguiu encontrar a localização da sua mãe?
— É, infelizmente sim.— franzi as sombrancelhas.
— E onde ela está?
— No mundo humano, com sua nova família, em um lugar chamado Suíça.— deu uma riso anasalado.— Ela quer eu more com ela, por isso o do pergaminho extremamente secreto que meu pai não poderia ler. Ela sabia que se me dissesse isso no palácio, onde nada passa despercebido pelo meu pai, ele iria atrás dela e provavelmente mataria tanto ela quanto sua nova família.
— E você quer ir?— peguei um biscoito. Hm, eu deveria começar uma dieta, só estou comendo porcarias durante esses dias...
— Definitivamente não.
— Mas por quê? Achei que se encontrar com sua mãe fosse seu maior sonho.
— Eu não vou por dois motivos. Primeiro; eu sou a princesa do Reino das Neves, estou fugida? Sim. Mas ainda cumpro com a minha responsabilidade perante meu povo, porque meu pai pode ter mais de 700 anos, mas isso não significa que ele não pode ser morto por alguém, e se isso acontecer eu preciso estar lá. E segundo: ela poderia ter me levado junto, mas preferiu me deixar lá com ele e me trocar por uma nova família.— ela coça a ponta do seu nariz. — Ela me abandonou, Lene. Meu pai sempre esteve certo, afinal. Ela é realmente uma egoísta mesquinha, sem um pingo de consideração com a própria família.
Me aproximei um pouco mais dela e passei meu braço esquerdo pelo seu ombro, em um meio abraço. Ouvi Lux bufar e apoiar a cabeça no meu ombro.
— Você quer ir até a Suíça e dar uma caneca cheia de chá de hibisco para ela? Não o suficiente para matar, claro, mas o suficiente para fazê-la dormir e podermos congelar o carro dela. Ou até mesmo atear fogo. — sugeri. Ele ergueu a cabeça e me olhou suspeita. — Que foi?
— Você tem leves traços de sociopatia, sabia?
— Ninguém é perfeito. — ela riu.
— Quando você fala essas coisas, você me lembra o Cedric.
— Aquele seu amigo?
— Aham, tenho uma leve sensação de que, se ele estivesse vivo, vocês dois seriam bem próximos.
Por um motivo desconhecido, meu coração acelerou.
— Ele parecia comigo? — franzi as sombrancelhas de leve, mesmo sem ela poder ver.
— Um pouco, ele sempre foi extremamente competitivo comigo e tinha um dom esquisito de sempre sentir quando alguém precisava de ajuda, mas ao mesmo tempo ele era firme quando precisava e um ótimo guerreiro. Quando eu era pequena eu invejava essa capacidade dele de manter tanto controle, mas quando eu fiquei mais velha eu percebi o preço que ele pagou.
— Como assim?
— Ele foi abençoado com um poder enorme, sabe? Do tipo que não se pode controlar com tanta facilidade. Sua mãe deu a própria vida para salva-lo, já que seus irmãos queriam mata-lo porque jamais poderiam subir ao trono com ele vivo. Eles envenenaram a própria mãe, e Cedric nasceu com a marca da sua quase morte e da escolha que sua mãe fez; as mãos, dos dedos até os pulsos, encobertos com sombras. Ele sempre disse que aquilo era um presente de mal gosto, já que era um lembrete maldoso de que ele foi o motivo da morte da mãe.
Eu parei de respirar, ou a sensação foi igual a de se afogar e depois sentir uma lufada de ar repentina. Ele não estava morto, estava? E se estava, como eu ouvia suas palavras na minha mente? Por que eu ouço ele? E por que raios ele estava tão quieto ultimamente? Será que Lux sabia sobre isso?
Ela parece saber algo sobre isso? A voz na minha mente, que infelizmente não era de Cedric e sim minha consciência, me informou. Não, ela está tão desinformada quanto eu...Eu não sabia se deveria contar, não sabia se poderia. Parecia algo pessoal demais, íntimo demais... A forma que ele se mantinha em minha mente e falava com confiança, como se soubesse que deveria estar ali, mas muitas vezes tendo suas palavras sussurradas era como...
— Mas talvez vocês não fossem tão íntimos assim, já que você obviamente nutre sentimentos pelo transmorfo.
A figura de Eariel surgiu em minha mente como um tapa. Sim, sim, eu deveria estar pensando em Eariel e sua óbvia rejeição a mim.
— C-como você descobriu?— me afastei, sentindo o coração palpitar. Lux se espreguiçou e deu um sorriso maroto pra mim.
— Todo mundo vê o clima entre vocês, Lene. E a forma que vocês se olham é muito diferente de como vocês olham para mim e para Ryker.— bufo. Ela franze o cenho. — O que houve?
— Ele me rejeitou, Lux.
— Você tá brincando, não é?— olho seriamente para ela.
— Eu pareço estar brincando?
— Mas... Você tem certeza, Lene? Quer dizer, você as vezes confunde totalmente uma situação. Igual quando você pensou que o Ryker tinha tentado te envenenar com baga de Teixo.
— Como raios eu ia saber que a baga não era venenosa?!
— Por que raios ele te envenenaria?!
— Ele já tentou me matar antes.— lembrei a ela. — E ele ainda não pediu desculpas por isso.
— Você ainda está brava com isso? Sério?!
Cruzei os braços.
— Talvez... Mas sim, eu tenho certeza que o Eariel me rejeitou. Eu tentei beija-lo e ele se afastou do meu beijo como se eu tivesse herpes!— me cobri um pouco mais com a manta vermelha que havia trago.— Talvez esse tal olhar que vocês acham que ele me manda seja coisa da cabeça de vocês, ou talvez ele tenha se arrependido.
Ela me observou por uns instantes, onde eu me recusei a encara-la diretamente.
— E o que você vai fazer?— ergui levemente as sombrancelhas.
— Por que eu deveria fazer alguma coisa?
— Vai ficar realmente parada aí sem tomar nenhuma decisão sobre essa relação conturbada? Sem saber o que ele pensa de verdade?— dei de ombros.
— Minhas mãos estão atadas, Lux. Eu fui claramente rejeitada, isso pra mim foi uma resposta bem clara vinda dele.— peguei um biscoito.— Tenho muito o que fazer já, não vou mais perder tempo com ele.
"Eu já provei o que eu queria provar para você, nunca deveria ter permitido que isso chegasse a esse ponto. Não com você."
— Não com ele, não mais.— sorri levemente para Lux.
— Se você diz...
E o Sol finalmente apareceu no horizonte, colorindo os céus com rosa, violeta e azul. Pincelando uma paisagem brilhante e belíssima na minha frente, e uma recordação que eu guardaria no meu coração pela eternidade.
Porque eu teria todo esse tempo para supera-lo, não deve ser tão difícil, não é?
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O Chamado do Luar
Viễn tưởngSelene tinha uma vida que aos olhos alheios era quase considerada perfeita. Tinha pais presentes que a amavam, amigos legais que estavam sempre por perto, um irmão dócil atencioso que sempre a apoiava, e vivia em uma casa em uma cidade próspera. O q...