"Eclipse em um Lampejo de Luz" *XueXiao*

~12~

Os caminhos sinuosos e desconhecidos ainda o aguardavam por muitas horas de caminhada, mas neste momento a lua tomava o céu sem descanso, e demoraria muito à desaparecer mais uma vez.

Sem mais nenhuma sobra de pão a vapor ou qualquer outra coisa que Jiang Cheng o havia entregado antes de partir de Yunmeng, Xiao Xingchen comia uma fruta qualquer que fora encontrada no pôr do sol, sentado em um galho forte de uma árvore ainda mais forte.

O som do vento parecia um sussurro contido, quase como se compartilhasse um segredo codificado a cada sopro. Além disso, nem mesmo outro som pode ser ouvido.

Durante o dia, Xiao Xingchen ouviu algumas vozes, de comerciantes no caminho para Yi City, pequenas comitivas e suas carruagens simples repletas de alimentos. Apesar de saber de sua presença, nenhuma vez Xiao se aproximou das pessoas, de qualquer forma, ele sempre esteve acostumado a viajar sozinho.

Usando um pequeno tecido, Xiao Xingchen limpa seus lábios que estavam com resquícios do fruto doce. A voz de Meng Zhaoyin soa em sua mente, como um alerta que ele ainda não havia tomado o medicamento.

Com um sorriso nos cantos dos lábios, o mesmo retira do robe um pequeno  frasco, virando o mesmo em poucos segundos. Sentado em pose de meditação, Xiao sente seu puro qi invadir os seus meridianos, tentando limpar qualquer mero sinal do veneno que poderia persistir em seu corpo.

Não era a primeira vez que algo do tipo acontecia, mas dessa vez os efeitos estão sendo mais duradouros e persistentes.

Um suspiro sai de seus lábios e após algum tempo, sua figura graciosa e seu robe balançam no ar até pousarem no chão, Shuanghua é retirada de seu repouso e Xiao Xingchen passa a praticar no espaço vazio entre as árvores. Sua energia espiritual em golpes certeiros voam de um lado para o outro, sua espada graciosamente executa movimentos que poderiam ser fatais se assim quisessem ser...

Em seu próprio mundo e na total concentração, a escuridão vai passando lentamente e em seu lugar a luz familiar retorna aos céus, e apenas nesse momento que Shuanghua volta para os tecidos a qual costuma estar presa, e Xiao Xingchen retoma seu caminho.

■ ■ ■

A entrada da Yi City possuia um arco extravagante de pedras rústicas com alguns detalhes talhados, uma placa continha o nome do local. A ponta dos dedos de Xiao Xingchen passam pela estrutura, sentindo os desenhos gravados com suavidade.

Yi City era conhecida por seus dotes funerários, pela fabricação de caixões e todas as coisas que poderiam se imaginar, até mesmo os bonecos tão populares. Tudo começou com a  popularização da fabricação destes itens em um vilarejo próximo, até que tomou todo o território em seu entorno, não demorou para que em todos os cantos as pessoas passassem a buscar as habilidades particulares da cidade. Quando a seita Lâmina Escarlate foi instalada, o local passou a ser frequentado por grupos e mais grupos de cultivadores demoníacos, a população vendo isso como uma oportunidade, passou a construir  estalagens, casas de vinho e de chá, feiras ao ar livre, bordéis com moças carregadas de rouge, locais de jogos e muitas outras coisas. Transformando a cidade em um ponto vivo que fervilhava de pessoas.

Xiao Xingchen logo nota que os rumores fazem juz as ruas movimentadas, todos os tipos de pessoas passam por ele. Inúmeras propriedades e negócios ficam para trás a cada passo seu. O som das vozes dos vendedores permeiam por toda a extensão da grande rua principal, onde uma feira ao ar livre ficava montada durante todos os dias, contendo uma variedade de produtos.

Alguns comerciantes tentam chamar a atenção de Xiao Xingchen, que cordialmente abre um sorriso antes de se afastar. A sombra de uma barraca do que parece ser bolinhos está envolta de um aroma atrativo, ao seu lado um vendedor grita animadamente o quão barato estão seus legumes. Xiao para em frente à barraca de bolinhos.
"Eu gostaria de três por favor."

A senhora na barraca rapidamente prepara o pedido, não deixando de notar a simpatia da pessoa a sua frente, que espera pacientemente até os bolinhos serem embalados "Uma moeda."

Xiao Xingchen retira a mesma de sua pequena bolsa com alguns punhados e estica a mão para que a mulher a pegue, logo os bolinhos também são entregues "Muito obrigado."

Com um sorriso leve ele se afasta, deixando a comerciante o observando por um tempo. Uma pessoa tão doce nesses tempos, o quão raro essa presença é? Geralmente, cultivadores como ele tendem a ser cada vez mais arrogantes e cada vez menos gentis.

O doce cultivador em vestes brancas se apressa em levar um dos bolinhos até sua boca, dando uma mordida no mesmo enquanto anda a passos médios, tendo que desviar de algumas pessoas no caminho, o que se torna cada vez mais difícil, pois a luz do sol já não é muita, logo o mundo volta a desaparecer em sua vista enegrecida.

Perto da última mordida seu corpo colide com algo pequeno, o pouco que ainda restava do bolinho foi para o chão enquanto as mãos de Xiao Xingchen amparavam a pequena garota, segurando em seus ombros "A senhorita está bem?"

"Meu bambu. Eu o perdi" ela se abaixa e passa a tatear o chão em busca do mesmo, Xiao faz o mesmo rapidamente o achando.

Suas mãos encontram os dedos finos e colocam sobre eles o bambu "Me desculpe por ter quase te derrubado, é sempre complicado andar pelas ruas quando estão muito cheias, ainda mais quando não posso ver nada."

Xiao Xingchen abre um leve sorriso "Lhe aconselho a não ser tão apressada, outras pessoas não seriam tão gentis em te ajudar... Tem certeza que está bem?"

"Sim, apesar de você ser tão descuidado que não me viu vir."

"Me perdoe, mas eu também não posso ver com clareza."

Então ele é cego. A pequena pensa consigo mesmo antes de mumurar um tudo bem e se apressar em se afastar do cultivador. Quanto tempo demoraria para ele notar que sua bolsa com moedas fora roubada?

Xiao Xingchen andou por toda a feira, de um lado para o outro em busca de qualquer pessoa que não combinasse com o cenário. Mas todas as pessoas que encontrou eram comuns, sem nenhuma fundação. Ele apenas conversou com o ajudante de um estalageiro que lhe apontou a direção de um templo, onde ele poderia passar a noite já que estava tarde demais para tentar ganhar alguma coisa na rua.

Claro que ele notou que sua bolsa de moedas havia sido puxada sorrateiramente pela pequena garota, mas talvez ela precisasse mais do que ele, e Xiao poderia muito bem se virar sem grandes problemas. As moedas não foram uma grande perda, por assim dizer.

Algum tempo depois ele chegou até a área em que o templo estava instalado. É uma construção antiga e não muito grandiosa, com uma parte mais luxúriosa onde provavelmente ficam as pessoas responsáveis pelo local, no salão principal havia um grande Buda de ouro, ao lado em uma parte para além de alguns arbustos, um cômodo de pedras pesadas servia de abrigo para aqueles que não tinham para onde ir, e justamente neste local, Xiao Xingchen encontrou um bom chão para ser sua cama, em um pequeno altar que um dia estivera repleto de oferendas.

Alguns jovens estavam amontoados em um canto, observavam o recém chegado com curiosidade, já que o mesmo não parecia ser o tipo de pessoa que não poderia pagar uma estalagem ou coisa do tipo, mas pelas vestes, julgaram que se tratava de um cultivador e a grande espada que carregava nas costas apenas reforçava essa suposição, então apenas deixaram essa inquietação como algo corriqueiro e alguns minutos depois o desconhecido já não era mais tão interessante assim.

Enquanto Xiao Xingchen estava quase pegando no sono, gotas finas e melancólicas de uma chuva inesperada começavam a cair do céu...

Sua cabeça pousou na pequena pilastra atrás de si, buscando alguma posição minimamente confortável quando soluços finos vieram abafados até seu ouvido, como se estivessem bem distantes...

Suas sobrancelhas se juntam levemente, e logo a única coisa que se pode ouvir é as gotas de chuva que assolavam a cidade.

Entre um pingo e outro mais um soluço se foi ouvido, Xiao Xingchen se levanta rapidamente e vai até a entrada do abrigo, o vento bate como um chicote em sua pele. Os soluços estão distantes e a chuva dificulta mais ainda, mas Xiao logo se põe a andar no caminho que considera ser o certo.

Os murmuros chorosos estão cada vez mais perto quando uma voz masculina se sobrepõe...