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As notas melodiosas saiam da flauta de jade como doces pétalas ao vento, trazendo sussurros de amor e ternura até os ouvidos aguçados de Jiang Cheng, que à pouco havia se retirado para seu aposento localizado em uma bela estalagem, para que assim pudesse meditar até a hora da partida. Prezando por sua segurança, Lan Xichen se encontra encostado na pequena varanda do lado de fora, uma xícara de chá já vazia está pousada ao seu lado, enquanto seus lábios avermelhados estão determinados para reproduzir as gloriosas notas ternas.

Alguns dias haviam se passado desde que a pequena comitiva havia deixado YunmengJiang, em seus caminhos encontraram seres malignos que não passavam de pequenos incômodos, alguns não levando mais que um leve balançar de espada para se desfazer. Apesar disso, algo sempre alertava Lan Xichen, dizendo que seu raivoso gatinho envolto em vestes roxas estava preocupado demais com algo, pois sempre que o mesmo estava distraído, o líder do clã Lan poderia notar certa curva mais acentuada em seus lábios.

Do lado de dentro, Jiang Cheng se sente cada vez mais entorpecido pela música que invade seu quarto. Seus longos cílios curvados se mexem um pouco, até que seus olhos se abrem parando na figura agraciada pelos deuses que está parada na pequena varanda.

De onde quer que Lan Xichen seja visto, sua pose imaculada tendo a lua como cenário, parece ter saído de um livro de pintura à óleo. Sua beleza madura parece se acentuar com a pálida luz imortal esbranquiçada, trazendo mesmo os traços mais simples para um esplendor.

Jiang Cheng pisca repetidas vezes ao notar que se desconcentrou outra vez. Com um suspiro leve ele se levanta ajeitando as vestes leves. Ao abrir a porta que daria para a varanda, ele se aproxima do outro, parando ao seu lado.

A Primeira Jade do clã Lan, não parece se incomodar e não faz menção alguma de parar a melodia, mas seus dedos parecem tremer um pouco pois os olhos profundos de Jiang Cheng o observam sem pudor algum.

O restante da comitiva e todos os demais presentes na estalagem já haviam se entregado ao sono à muito tempo, ainda mais ao som da doce flauta, de modo que quando a mesma se calou o único movimento partia apenas dos dois cultivadores emparelhados.

Jiang Cheng é o primeiro a se virar para encarar o simples vazio da cidade adormecida "Você precisa descansar as vezes, não deveria tocar até tão tarde."

Lan Xichen abaixa um olhar com um leve sorriso diante da preocupação quase que corriqueira do outro "Você pode meditar melhor com a melodia, estou satisfeito apenas com isso."

Jiang Cheng nada diz diante das palavras do outro, seus olhos passam pelo nada enquanto seus dedos brincam com o cabo de sua espada "Faz muito tempo desde que Sandu esteve fora de minha bainha, parece que estou a reprimindo... como Ze-Wu-Jun não parece ansioso para repousar, poderia guardar Liebing e praticar um pouco comigo...é muito raro ver Shuoyue em ação."

As palavras saem calmas dos lábios do outro, mas ainda assim causam certo espanto em Lan Xichen que não esperava tal convite do líder do clã Jiang. Com certa rapidez a flauta de jade é guardada.

Com um meio sorriso Jiang Cheng pula da varanda com seus passos rápidos, disparando em direção à um espaço vazio coberto de grama, próximo a algumas casas simples. Não muito distante Lan Xichen o seguia noite a dentro.

Antes mesmo que pousassem no chão, Sandu dispara em direção à Lan Xichen que parece ter previsto tal movimento muito antes do esperado, de modo que a Lâmina de Shuoyue bloqueia a outra sem problema algum.

Ambos descem ao chão com suas vestes esvoaçantes, e no instante que seus olhares se encontram, seus corpos já se direcionam ao outro por puro instinto.

Apesar dos poderosos movimentos e golpes trocados pelas duras lâminas, quem apenas os observasse do outro lado da redoma invisível, facilmente pensariam que se tratava de uma apresentação muito bem elaborada.

Pois os corpos solitários pareciam apenas um, como se fossem a mais límpida água que refletia suas almas conjuntas, incapazes de funcionar em um ritmo diferente. Jiang Cheng acompanhava o corpo de Lan Xichen, tal como o outro compreendia a natureza por trás de cada balançar de Sandu.

Eles dançavam ao som das colisões cortantes, seus corpos pareciam gravar cada detalhe e seus olhos se tornavam incapazes de parar em outra coisa. Jiang Cheng não poderia deixar de pensar, que até mesmo sua própria figura parecia bem melhor quando refletida nos olhos do outro.

A mente de Lan Xichen vagava pelos murmuros que sondavam algumas terras. Pois após todo o Jianghu saber da relação da segunda jade do clã Lan com Wei Wuxian, rumores surgiam cada vez mais, ressaltando a próximidade de Lan Xichen com Jiang Cheng. Em uma primavera passada, Xichen recebeu um escrito de uma história contada com o auxílio de uma melodia animada, narrando o amor entre um ser celestial em retidão e um cultivador com temperamento irritadiço que portava um poderoso chicote. Ao ler tal coisa, parte de si pensava em quão absurdo cada palavra era, enquanto outra não poderia deixar de pensar na possibilidade deste amor acontecer... e cada miserável vez que seus olhos se estendiam pelas órbitas de Jiang Cheng ele apenas era capaz de desejar mais e mais, esse sentimento corrupto, que gritava que já estava preso à muito tempo e precisava sair.

Nem mesmo seu alto nível de cultivo seria capaz de reprimir algo tão grande.

Mesmo quando Jiang Cheng e Lan Xichen já cansados resolvem parar de trocar golpes, este pensamento impera em sua mente.

Encostados lado a lado em uma árvore, Jiang Cheng é o primeiro a quebrar o silêncio "Acha que o Daozhang Xiao está bem?"

"Xiao Xingchen não é um tolo, saberia quem permitir estar ao seu lado ou não. Acho que ele está bem" seus olhos sorrateiramente se voltam para o rosto de Jiang Cheng parcialmente iluminado "É pensar sobre isso que está te fazendo perder o sono?"

Jiang Cheng olha para ele surpreso "Como sabe que não tenho dormido direito?"

"Eu consigo ver ao olhar para você, não é como se fosse um grande segredo."

Jiang Cheng assente "Não, apenas não tenho conseguido dormir."

Lan Xichen não precisa de mais para entender o que está acontecendo. Logo no início de sua proximidade com Jiang Cheng ele soube que o mesmo estava sendo atormentado por cruéis sonhos sempre que fechava os olhos, de modo que não dormia a um bom tempo.

"Eu havia dito para você que se algum pesadelo o afligisse você deveria vir até mim."

Jiang Cheng revira os olhos com um risada breve "Não sou uma criança assustada Xichen."

"Mas ainda é humano... não precisa ser forte o tempo todo" seus dedos hesitantes param na mão do outro "Quantos anos mais terão que se passar para você entender que não irei permitir que carregue peso algum sozinho?"

"Você já disso isso várias vezes."

"E ainda assim você age como se eu nunca tivesse dito nada" seus dedos envolvem os de Jiang Cheng com facilidade "Apenas feche os olhos um pouco... cantarei para você."

"O que pensariam se..."

Não permitindo a fala do outro, Xichen guia a cabeça de Jiang Cheng para seus ombros, e ainda sem soltar seus dedos, a doce melodia de sua voz passa a cantarolar uma bela canção de outrora... que costumava ouvir quando pequeno.

Enlaçado pela essência enebriante de Lan Xichen, os olhos cansados pesam cada vez mais, e tempos depois Shuoyue corta o ar da silenciosa cidade, tendo seu gentil portador carregando um ser adormecido em seus braços.

• ♡ •

Um capítulo lindo de Xicheng para vocês... se possível me digam o que  achariam de uma fic apenas deles, pois esta idéia tem me perseguido à algum tempo.

"Eclipse em um Lampejo de Luz" *XueXiao* Onde histórias criam vida. Descubra agora