O destinado

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O soldado encarregado de acabar com a vida da criança celta, esgueirou-se pela parede da taberna onde os guardas enviados por Obito e o conselheiro haviam se instalado naquela noite, assim que desembarcaram no porto de Atenas. À suas costas mais vinte soldados o seguiram.
Discretos, sem revelarem a verdadeira identidade que eram soldados romanos, se infiltraram no estabelecimento e não demorou para que bocas fossem abertas, entregando o quarto onde o conselheiro estava. Os demais ficaram no térreo, no canto da taberna observando os guardas beberem cerveja de uma só vez.
Haviam partido de Pompéia com novas ordens do general. Deveriam matar os guardas e o conselheiro. Chegariam no local onde a criança foi levada e cumpririam a missão. Quando voltasse para Pompéia, falaria sobre o ataque dos bárbaros e os usariam como álibis.
Com isso em mente, o homem alcançou o corredor e caminhou sobre o assoalho de madeira cautelosamente, enquanto se aproximava da porta. Não demoraria para que o caos começasse, assim que jogasse a cabeça do conselheiro escada abaixo.
Parando a frente da porta, o soldado arrebentou-a com um pontapé. O homem que usava apenas uma túnica branca diante a mesa, pulou de susto deixando com que a pena e o tinteiro caíssem sobre o assoalho. Desembainhando a espada, rodou o cabo entre os dedos e com um movimento certeiro decepou a cabeça do conselheiro que rolou no chão. A tinta preta alcançou o corpo decapitado e misturou-se ao fluido abundante de sangue.
O soldado se aproximou, pegou a cabeça e saiu do quarto. Chegando no patamar da escada, jogou-a pelos degraus.
Os bêbados e jogadores que se entretinham viraram os rostos na direção do barulho desordeiro ecoando escada abaixo. Quando se deram conta da cabeça decepada se apavoraram. Os guardas, todavia, se agitaram confirmando o que seria um ataque premeditado.
Desembainharam as espadas e travaram o confronto uns aos outros. Indiferente à pequena batalha logo abaixo, o homem se manteve imóvel no patamar da escada, observando com atenção seus companheiros fazer o que sabiam de melhor: massacrar.
Sem deixar testemunhas, todos que ali estavam foram mortos com as mesmas espadas já sujas de sangue. Quando finalizaram a primeira parte daquele trabalho, deixaram a taberna em chamas, assim que um deles tirou o candelabro da parede e arremessou na direção do local.
As chamas irradiaram pelas vigas de madeira e os soldados fugiram, a escuridão da noite engolindo-os sem deixar rastro.

O sol mal ressurgiu no horizonte e os escravos já seguiam para as lavouras, enquanto outra metade permaneciam espalhados nas diversas construções que ali se estendiam.
Boruto procurou arrancar com cuidado os grãos e depositá-los em caixas feitas de vime. Não estava nem na metade, tudo devido às suas mãos feridas. Os calos tinham sido rompidos e esfolava a pele fina da palma da mão, cada grão que arrancava dos galhos era como se uma faca afiada deslizasse pelas feridas.
Ignorando a dor e olhando de esguelha para o capataz, ele persistiu arrancando os grãos e depositando na caixa de vime.
Shikadai se aproximou dele minutos depois ajudando-o e resmungando.
— Se continuar assim tão lento, o capataz arrancará seu couro com o chicote.
— Está doendo. — Boruto reclamou franzindo as sobrancelhas e olhando para as mãos banhadas de sangue.
Shikadai parou de arrancar os grãos e olhou para as mãos de Boruto.
— Está feio isso aí. Deveríamos ter enrolado um pano velho no ferimento, aliviaria seu sofrimento.
— Eu não consigo mais.
Boruto sacudiu as mãos fazendo uma careta de dor e respingando sangue por todo lado.
— Você vai ter que tentar. — Shikadai disse, olhando sobre os ombros para o capataz que já se aproximava deles. — Droga, fique perto de mim, assim posso mentir que você está fazendo alguma coisa.
Boruto se aproximou mas foi tarde demais.
— Quem disse que era para parar, moleque? — Bradou o capataz, o chicote firme em suas mãos.
— Ele está com as mãos machucadas, por isso...
O chicote estalou em segundos atingindo o mais jovem no ombro. Sem controlar a força do impacto e da dor que o dominou, Shikadai caiu para trás com a chicotada inesperada.
Boruto franziu as sobrancelhas e avançou parando à frente do inimigo.
— Ele não tem culpa de nada!
— Não tem mesmo. O culpado aqui é você, escravo preguiçoso!
O capataz ergueu o braço e descarregou o chicote com força contra Boruto. As tiras revestidas de aço cortaram-o no rosto, mais precisamente no olho direito.
Boruto sentiu o olho pegar fogo, nem mesmo o tombo que levou por conta do impacto foi tão doloroso quanto o que sentia no momento. Tinha a impressão que havia ficado cego e por essa razão abriu os olhos. Se arrependeu no exato momento que a neblina de sangue o cegou.
Ele colocou a mão contra o olho, observando que o capataz voltou erguer o braço mais uma vez para surrá-lo, no entanto gritos pavorosos vindos da casa principal e por toda parte das construções chamou-lhe atenção.
O capataz abaixou o braço e deu ombros.
Shikadai levantou-se e puxou Boruto pela mão, antes de olhar para o sangue que escorria entre os dedos do amigo.
Já ia falar quando olhou sobre a borda da lavoura, homens portadores de espadas afiadíssimas descarregaram entre as pessoas que encontravam pelo caminho, sem distinção de homens, mulheres e crianças. Os gritos só aumentavam e ficavam cada vez mais próximos.
— Vem!
Shikadai puxou Boruto pelo caminho que levava à floresta.
Pela trilha, Boruto olhou para trás com o olho bom, voltando a reviver aquele cenário de pessoas sendo mortas, gritos angustiantes e homens maus que sorriam em decepar cabeças e derramar sangue inocentes.
O pânico o dominou, tropeçou e quase levou Shikadai junto, este porém, ajudou-o a levantar. Boruto acelerou o passo, resistindo a dor no olho direito e do medo que dominava seu coração.
Quando adentraram a mata, correram sem olhar para trás e esconderam-se entre as pedras. Passaram longos minutos, onde podiam ouvir apenas o grunhidos de pessoas tendo a vida ceifadas e destroços sendo esmagados. De repente o cheiro pestilento da morte tomou suas narinas.
— O que...
Shikadai tapou-lhe a boca a tempo, quando ouviu vozes furiosas ecoar por toda parte.
— O que diremos ao general? — um deles quis saber em tom imperativo.
— A verdade.
— Tem certeza que nenhuma daquelas crianças é o garoto?
— Não! O reconheceria o desgraçado em qualquer lugar!
Boruto sentiu sua respiração incapaz de preencher seus pulmões. Foi tragado por lembranças dolorosas, reconhecia aquela voz, fora o mesmo homem que agarrou sua mãe e que ele tivera o ímpeto de feri-lo com o punhal que retirou do quadril do soldado distraído. Se ao menos fosse forte o suficiente poderia detê-lo, mas não passava de uma criança inútil. Eles eram muitos e ele apenas um ou melhor, dois, Shikadai estava ao seu lado e não podia pôr sua vida em risco como fizera com sua mãe.
Os passos se afastaram, mas nenhum dos dois resolveram sair do esconderijo improvisado até se sentirem seguros.
Passaram longas horas, o céu carregado de nuvens plúmbeas. Não demorou para que a chuva caísse e lavasse o ambiente servido como palco de horror.
Boruto se atreveu a espiar e erguer-se sentindo suas costas doer por ter ficado muito tempo agachado. Seu olho direito ardia muito e suas mãos contemplavam o mesmo sofrimento.
— Vem comigo. Conheço um córrego, vou cuidar desse seu olho.
Boruto apenas deixou-se levar pelo caminho íngreme que adentrava. O local onde tinha sido escravizado ficava cada vez mais distante, só as imensas árvores os cercavam.
Quando alcançaram a parte plana da floresta, Boruto ouviu-se o barulho das águas correntes. Desceram e finalmente se aproximaram às margens do pequeno riacho.
— O que vamos fazer?
— Eu não sei. — Shikadai falou puxando a barra da camisa velha que usava e rasgou-a em uma tira. — Vou ter que ver seu ferimento. Tira a mão.
Boruto obedeceu e Shikadai arregalou os olhos.
— Consegue enxergar?
A cada piscada era como se seu olho fosse cutucado com uma ponta de uma adaga.
— Consigo, mas está embasado.
— O corte está fundo, mas parece que atingiu apenas sua sobrancelha e aqui abaixo do olho. — Shikadai falou verificando a extensão do ferimento. — Teve sorte de não ter ficado cego.
Ele envolveu a tira de pano ao redor da cabeça de Boruto, passando pela metade do rosto e pressionando bem. Depois amarrou rente ao pescoço em um nó firme.
— Pronto.
Boruto virou-se tentando se adaptar ao curativo, mas a expressão em seu rosto tornou-se pálida quando viu sobre os ombros de Shikadai dois homens altos, barbudos e ruivos, aproximando-se deles.
Shikadai mal teve tempo de perguntar o que desfigurava o rosto do amigo em uma careta de pavor, a pancada que recebeu na cabeça levou-o à escuridão.
Boruto tentou ajudá-lo, mas teve o mesmo destino. O homem ruivo o agarrou pelo pescoço e tirou-lhe o ar ao ponto de fazê-lo perder a consciência.

O gladiador de PompéiaOnde histórias criam vida. Descubra agora