"Achei que você fazia aula só de auto defesa" – Marcos diz enquanto observa o ringue de luta.
Estamos passando muito tempo juntos desde que nos conhecemos, hoje é a primeira vez que trago ele no clube de luta, ele observa os colchões no chão, pneus, sacos de pancadas. Dois alunos estão lutando no ringue.
Nesse tempo que passei com ele, Marcos me contou que sofreu um acidente de carro e ficou com paralisia nas pernas. Seus pais não morreram, mas tiveram algumas lesões no corpo. O mais afetado do acidente foi Marcos, e os pais se culpam até hoje pelo o que aconteceu.
Marcos confia em mim, e eu estou começando a confiar nele também, não vejo mais problema em contar algumas coisas sobre mim para ele.
"Eu fazia auto defesa, mas comecei a praticar boxe e hoje participo de alguns torneios."
Ele fica me encarando por um tempo. Como se estivesse tentando enxergar alguma coisa através dos meus olhos.
"Você pensa em seguir carreira?" – Ele pergunta.
"Não, eu sei que tenho muita capacidade se quisesse, mas não quero. Eu quero ser autora, esse é meu sonho."
Gosto de lutar boxe porque assumo o controle sobre minhas emoções, meu psicólogo disse que faria bem pra mim se eu tivesse algum esporte a qual focar. Quando luto me sinto livre, como se ninguém mais pudesse ter domínio sobre mim, o mundo se desfaz e só resta eu e a adversária a qual eu luto.
Minha professora já tentou muitas vezes me convencer a seguir carreira, ela disse que iria me apoiar em todo processo. Mas o boxe é meu refúgio, não quero tentar seguir carreira e estragar tudo.
O olhar de Marcos se suaviza depois da minha resposta, ele tem conquistado minha confiança ultimamente. Marcos está se tornando uma pessoa tão importante na minha vida, fico um pouco assustada com nosso relacionamento, não sei como manter amizades, na verdade eu só tive quando era criança. E isso não conta direito.
"E você, Marcos? Você faz direito, então você quer ser juiz ou alguma coisa do tipo?"
"Quero ser advogado, ainda estou decidindo em qual área de advocacia eu pretendo escolher. Possivelmente vou escolher uma que está relacionada a defesa de deficientes no geral. Quero lutar por inclusão e acessibilidade."
"Bom, você tem todo meu apoio" – Sorrio para ele
"Se eu escolhesse ser um assassino de aluguel eu também teria o seu apoio?"
"Depende de quem você pretende matar." – Seguro a risada para parecer que estou falando sério.
"Meu Deus, Raven!" Ele parece espantado e assustado. Não consigo mais conter a risada e ele percebe que estou zoando ele.
"Você é ridícula, eu tenho muitos motivos para ter medo de você. E você fica com essas piadinhas! Agora me diz quem é aquele cara bronzeado com cabelo raspado que está lutando."
E eu achando que Marcos estava interessado só na luta.
"Aquele é o Sami, ele é descendente de indígena, tem 23 anos. Ouvi falar que ele é bissexual, você quer que eu consiga o número dele para você?"
"Não, eu faço isso sozinho. Tenho minhas técnicas de paquera. Vou chegar nele e falar "Gato, vamos brincar de índio? Nós ficamos pelados, você me mostra sua oca e eu te mostro meu cacique".
Começamos a rir tanto que estamos quase chorando. Nesse momento percebo que tenho o amigo mais idiota do mundo.
Vou para o vestiário me trocar para a luta, o ringue já foi liberado. Coloco meu top preto com uma blusa de gola alta por baixo e bermuda com meia calça para a luta, ponho as luvas faço duas tranças boxeadoras no meu cabelo, coloco a proteção labial na boca e vou para o ringue.
Busco Marcos com os olhos e percebo que ele está rindo com Sami, não acredito que ele fez mesmo a cantada, aquele garoto é inacreditável.
Subo no ringue para treinar com Sabrina, minha adversária. Ela está com o cabelo castanho escuro preso no coque e chega perto de mim, e dá um sorrisinho. Eu vou arrancar esse sorriso garota, não se preocupe.
Batemos a luva uma na outra e mantemos um pouco de distância antes de começarmos.
Início com duas mão esquerda na sua cintura e ela defende, logo ela revida com uma sequência de golpes. Defendo e mantenho uma distância, ela se aproxima e joga outra sequência de golpes direcionadas ao meu estômago enquanto eu me esquivo com uma velocidade surpreendente.
Quando ela parece cansada, aproveito e me aproximo com rapidez, vou dar um nocaute para ela cair, impulsiono uma força nas minhas pernas e dou um golpe de baixo para cima que acerta o queixo dela.
Sabrina cai e fica no chão.
1...2...3...4...5...6...7...8...9...10 segundos
Ela não levantou, venci porra!
Olho ao redor e vejo todos sorrindo e aplaudindo, muitos parecem estar gritando, eu faria qualquer coisa para poder ouvir o grito de vitória deles.
Me aproximo de Sabrina e ergo minha mão para levantar ela. Ela me olha com desdém e cospe no meu pé. Filha da puta não sabe perder...
Coloco minhas pernas em sua cintura e tento dar um soco na cara dela, mas ela defende com rapidez. Quando sinto mãos na minha cintura me afastando dela, é minha treinadora. Ela me empurra para o vestiário.
"Mas que merda foi essa que acabou de acontecer?" – Ela pergunta com raiva nos olhos.
"Você estava assistindo! Viu quando ela cuspiu em mim, vai defender ela agora? Nem machuquei."
"Não estou defendendo, Raven! Eu sei que ela errou, mas é meu trabalho resolver isso. Pare de agir como idiota, quando você vai aprender a se controlar? Você age por impulso e isso te prejudica. Você está fora por uma semana." – Ela sai do vestiário e não me dá oportunidade de responder.
Não posso acreditar no que fiz. Ela tem razão, eu preciso me controlar, não posso ser agressiva toda vez que perco o controle e fico com raiva.
Vou agendar minha consulta com Greg amanhã, nunca conversei com meu psicólogo sobre meus ataques de raiva porque não achava nada sério, mas eu preciso de ajuda.
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Ouço as batidas do seu coração
RomanceRaven é uma mulher muito fechada e cautelosa. Devido a sua deficiência auditiva ela aprendeu a observar tudo ao seu redor com mais atenção. Raven aprendeu da pior maneira a desconfiar de todos ao seu redor, não aceita gentileza, detesta pessoas que...