4 anos antes
Estou sentado no banco de espera do hospital com Mel dormindo no meu colo, nossa mãe está internada e estamos aguardando o retorno do médico. Papai está aqui, digo, seu corpo está aqui, mas algo nele está sombrio e vazio. Seus olhos não tem mais o brilho do azul cristalino como tinha antes, agora tem olheiras profundas e não resta nenhum brilho. Ele tem 40 anos, mas os cabelos grisalhos já chegaram, talvez seja o estresse.
Não tem sido muito fácil para ele, e eu não ajudei muito na verdade, comecei a beber escondido e sozinho, ele tem que lidar com nossa mãe doente, uma menina de 6 anos e um adolescente idiota que não sabe como lidar com essa merda toda.
Não tenho ninguém para conversar, nenhum amigo para me amparar. Sou tímido demais pra conseguir fazer um amigo, eu admiro pessoas tímidas que conseguem.
- Sr. Richard?
Assim que o médico o chama meu pai se levanta.
- Sim, sou eu. Qual estado dela?
-A doença progrediu mais rápido do que esperávamos, o tratamento prolongou alguns dias dela, mas não ajudou muito na recuperação. O estado dela é terminal, ela tem no máximo 1 semana de vida.
Meu pai cai de joelhos no chão e começa a chorar com um grito agonizante em dor enquanto cobre o rosto com as mãos. Nunca vi meu pai tão desesperado, ele sempre foi uma pessoa calma, normalmente ele que resolvia as brigas com minha mãe. O médico me olha com empatia. Coloco Mel gentilmente no banco e corro até meu pai.
Eu me ajoelho perto dele e coloco meus braços ao seu redor. Não vou deixar meu pai passar por isso sozinho.
-Pai, eu estou aqui com você. Não vou deixar você sozinho. Estou aqui para você.
Ele não responde, apenas soluça enquanto tenta se recuperar. Ele se levanta e alcança a mão pra me levantar também.
-Nós podemos ir falar com ela, doutor? – pergunto ao médico
-Sim, mas só um por vez. Ela ainda está frágil, acho melhor irmos lidando com isso de uma forma melhor para ela.
Meu pai se senta ao lado de Mel. Acho que ele não está pronto para conversar com minha mãe ainda. Eu sigo o médico até o quarto que minha mãe está. É tudo branco, tem uma janela que dá para ver a paisagem. O dia não deveria estar tão bonito como está, estou perdendo a pessoa mais cheia de luz da minha vida. Era pra estar chovendo como se o mundo estivesse em luto e se despedaçando, porque minha mãe é a pessoa mais incrível que essa terra poderia desejar, e porque o meu mundo está despedaçando.
Me aproximo da cama e ela abre os olhos com lentidão. Ela é tão linda, seus olhos castanhos transmitem luz e ousadia, é engraçado porque ela ainda emana luz mesmo quase morrendo, e meu pai que tem uma possível vida longa parece estar morto por dentro. Ela raspou seu cabelo loiro porque estava começando a cair depois da quimioterapia, ela amava o cabelo dela. Ela chorou tanto que teve que pedir minha ajuda para raspar, ela não quis olhar no espelho enquanto eu raspava, ela também não viu que eu estava segurando o choro.
-Como você está, J? – Ela pergunta.
-O correto era eu perguntar a você como você está, mãe. – Olho para ela.
-Não me parece o correto, você parece estar quebrado por dentro, não eu.
-Estou com medo. – Falo num sussurro.
-Sinta o medo, J. Mas não deixe que ele domine você, sua vida, seu ar.
-Como consegue me amar ainda? Eu só piorei sua vida nesses últimos meses, mãe.
Contenho o choro, sinto que estou sufocando e não consigo respirar direito.
Ela se aproxima, põe as mãos no meu rosto e encosta minha testa na dela. Fecho os olhos com a esperança que as lagrimas se contenham.
-Filho, eu não posso te condenar pelos seus erros. Isso não define você. Você não é o seu erro. Você é uma junção de todas as coisas mais maravilhosas do mundo, eu estranharia se você nunca errasse. Você é um ser humano, só precisa saber que seu erro é uma porta para você tentar de novo depois.
Não aguento mais, começo a chorar e ela me abraça tão forte que sinto que não posso perde-la, nunca.
- Mãe, você vai me deixar sozinho.
Ela se afasta e fica me encarando.
-Não vou filho, eu sempre vou estar aqui para você, talvez você não veja, mas parte de mim está em você. E seu pai vai cuidar de você e sua irmã, não se preocupe tudo vai dar certo.
-Você promete? – Pergunto com a voz rouca pelo choro.
-Prometo.
Minha mãe mentiu.
Meu pai não cuidou de nós.
Eu não sinto parte dela em mim.
Me sinto sozinho.
Sinto ânsia de vomito e vou correndo para o banheiro, começo a vomitar no vaso. Comecei a reviver esses momentos em sonhos desde o dia que a Raven riscou o carro. Estou tão cansado, todos os dias as imagens voltam como um gatilho no meu cérebro e eu não consigo ter controle.
Porra é só um carro, tento dizer isso pra mim mesmo, mas pra mim não é mais só um carro.
São detalhes que me fazem me sentir um pouco de conexão com minha mãe. Não é só um cabelo, é a imagem da minha mãe tentando raspar o cabelo sozinha e depois me chamando para ajudar ela.
Estou tão cansado e fodido, faz 4 anos mas a dor nunca some. O rosto dela sumiu, a voz dela sumiu, o toque carinhoso dela, o afeto maternal sumiu como cinzas, mas a única coisa que permanece é a dor. As fotografias são migalhas de algo que já foi lindo e real.
Levanto do chão do banheiro e tomo um banho para tentar afastar toda dor que estou sentindo.
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Ouço as batidas do seu coração
RomanceRaven é uma mulher muito fechada e cautelosa. Devido a sua deficiência auditiva ela aprendeu a observar tudo ao seu redor com mais atenção. Raven aprendeu da pior maneira a desconfiar de todos ao seu redor, não aceita gentileza, detesta pessoas que...