Raven

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Eu odeio esse garoto.
Não suporto sentir a respiração dele perto de mim. Ele percebe meu olhar assassino o encarando e sorri de lado, babaca.

-Tá apreciando a visão?
Ele diz por libras.

Faço um gesto vulgar com o dedo e ele dá uma gargalhada, pelo jeito foi alto porque o professor o repreende com um olhar severo.

Justin tem olhos tão azuis e vibrantes. Seu cabelo é castanho claro, e eu diria que tem sardas no nariz, mas ficaria na cara que eu presto atenção nele, e não é o caso.

O nosso professor teve a brilhante ideia de colocar meu arque inimigo como minha dupla no trabalho.

Conheço Justin desde o ensino fundamental, ele sempre foi um menino quieto, um aluno na média, mas agora estamos no mesmo curso da universidade e ele resolveu virar um gênio ou melhor dizer meu concorrente.

Nós dois estudamos letras, eu me recordo do Justin sempre em um canto lendo um livro, nós poderíamos ser amigos, até cogitei isso quando descobri que ele estava estudando libras, mas mudei de ideia. Não quero parecer imatura, eu odeio ele porque parece que ele vê uma necessidade enorme em me provocar sempre que tem oportunidade. Quer um exemplo? Sempre que ele tira uma nota maior que a minha ele mostra a nota com um sorriso convencido direcionado a mim e entre outros fatores.

Sempre fui uma aluna dedicada, desde o ensino fundamental, no começo minha deficiência auditiva foi uma barreira para o meu aprendizado, na verdade o problema não era a minha deficiência e sim a falta de acessibilidade para surdos em todos os lugares, meus professores aprenderam a falar em libras comigo e eu tenho facilidade em leitura labial agora. 

Eu sempre optei por estudar com ouvintes pois era um desafio pra mim, e eu gosto de desafios. Na verdade meus colegas só se comunicam comigo por folhas de caderno, texto no celular, o único que aprendeu libras foi o Justin, mas ele mal falava comigo, e agora só sabe testar minha paciência, ou seja, zero amigos porque ninguém quer se esforçar tanto para iniciar uma amizade comigo.

Me sinto muito sozinha a maior parte do tempo, ninguém me ajuda a me sentir incluída, o governo tem sido falho em achar um meio me fazer menos excluída, uma ótima ideia seria colocar libras como ensino de linguagens em todos lugares de ensino. Quando eu era criança me sentia perdida, chorei por muitas noites por sentir falta das minhas amigas. Mas o que mais me irrita é o olhar de pena que recebo todos os dias por pessoas que descobrem minha surdez. Eu não sou uma criança, sua "pena" não me ajuda em nada, só me faz sentir diferente de todo mundo.

Nasci em Aspen, Colorado. A famosa "cidade do esqui". Desde então, nunca pensei em sair daqui, até viajei para outras regiões, mas aqui é minha casa.

Eu era ouvinte, me lembro pouco de como era escutar sons e falar, mas aos cinco anos tive uma meningite que causou lesões na minha audição, causando minha perda auditiva dos dois ouvidos, cientificamente se chama surdez bilateral. Acabei me acostumando com o silencio e minha mãe logo me levou para ter aulas de libras para voltar a me comunicar.

-Ei, Raven. Você está parada encarando o professor já faz uns cinco minutos, vai assustar o coitado.
Diz Justin após me cutucar com o cotovelo.

-Eu tinha paz quando você não falava comigo, dá pra me deixar quieta?

Percebo que por um instante Justin franziu a testa, como se eu o tivesse frustado, como se ele se importasse... me poupe.

-Lamento, amor. Está tentando enganar a si mesma? Eu sei que você sonha todas as noites que eu estou ao seu lado, e agora você pode usufrui do meu aroma. Ah, qual é? Estou mentindo?

Reviro meus olhos e desvio o olhar do seu, minhas bochechas coraram de irritação, tento conter a enorme vontade de sair do seu lado. Por mais que a gente não se entenda, sempre sentamos juntos para fazer as atividades, porque infelizmente o professor não tolera inimizades e guerra de notas na sala então nos força a sentar juntos até que um dia nossas diferenças sejam resolvidas, uma perca de tempo. Confesso que quando fazemos dupla temos belas notas altas, nossos trabalhos e apresentações são espetaculares, claro que sempre contendo provocações e alfinetadas por trás das costas dos colegas e professor. Pena que ele tem a mentalidade de uma criança chata que só sabe irritar, teríamos muito potencial para uma amizade.

Olho ao redor e vejo todos guardando as coisas. É minha deixa para ir embora. Não me despido de Justin, como sempre e saio pela porta. Só quero chegar logo em casa.

Ouço as batidas do seu coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora