Capítulo oito - Acerto de contas

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Alguns podem chamar de transtorno dissociativo de identidade, o que seria ignorância. Outros dirão que foi o próprio diabo, falta de Deus. Eu prefiro que se referiram a mim como um alter ego, a substituta perfeita. Cada um de nós tem o seu próprio, com nomes ou sem, acordados ou não. Ledo engano pensar que não têm. Aquele seu lado que só você conhece, que aparece quando você está sozinho ou com raiva.

Eu estou com um pé na cela, o outro corre em direção ao meu bel-prazer. Vingança. Tenho senso de justiça cravado em minhas entranhas. Não preciso mais jogar limpo, deixarei um rastro de sangue onde quer que eu pise. Minha peruca loira e lentes verdes iriam saturar em todos os canais de televisão, jornais e redes sociais.

Por dois meses percorri todo o sudeste do Brasil atrás das pessoas que venderam mulheres à morte. Pais, mães, tios, vizinhos. Todos com as mãos cheias de sangue e o passado repleto de abuso e podridão. Estupro, agressão, terror psicológico, homofobia, intolerância religiosa. As pessoas matam por qualquer motivo que julgam ser o certo.

Se uma pessoa mata um assassino, ainda teremos um assassino no mundo, mas se uma pessoa mata vinte e oito assassinos, temos vinte e sete a menos. Experimentei várias formas de se acabar com uma vida. E em todas tive êxito. Em cada corpo deixei um bilhete: Eu mandei matar (o nome da vítima). Percebi o quão frágil e insignificante pode ser a nossa existência. Aos meus pés, não existiam mais histórias, lembranças, dor, esperança ou propósito. Apenas corpos vazios. O sangue é quente, viscoso, poderoso de se sentir, cheira a medo e arrependimento. Todos tinham horror em seus olhos. Ninguém está preparado para sentir na pele o que é capaz de causar a outra pessoa.

Quando entrei na sala, Kalina acenou para que me juntasse a ela, apontando com a outra mão para o computador. Conseguira marcar uma reunião com Rogério. Era o último contato vivo de Eric, estou certa que seja ele.

― Você não pode fazer nada com ele lá, eu seria cúmplice ― alertou.

― Tenho profundo desprezo por pessoas medrosas e submissas ― tirei a peruca e joguei sobre a mesa.

― Acho que você não está em posição de me julgar ― disse, indignada.

― E o que você vai fazer? Destruir minha vida? Entra na fila ― virei as costas, parei e me virei para ela novamente. ― Você é influenciável demais. Não precisou de muito para que você desistisse de tudo que fez para acabar comigo.

― Ainda posso fazer isso ― ameaçou.

― Isso eu pagaria para ver.

― Qual é o seu problema? Eu entendi você, tomei suas dores...

― Muito obrigada, estou até emocionada ― debochei, juntando as mãos. ― Você só puxa uma arma se for atirar, do contrário, atiram em você ― simulei atirar nela com os dedos, acendi um cigarro e saí.

Kalina ficou parada ali, confusa. Ela não conhecia a Giselle como conhecia a Helena.

Dois dias depois, estava deitada na minha cama temporária, jogando uma bola de papel para cima e a apanhando. Ela entra no quarto.

― Você precisa ver isso ― tinha um estranho sorriso.

Chegando na sala, pegou o controle remoto e aumentou o volume da televisão.

― Todos os corpos foram encontrados com um bilhete, fotos de mulheres mortas estavam espalhadas pelo chão. As pessoas estão a chamando de justiceira, caçadora e outros nomes com significado heroico. Especulações tomam conta das redes sociais. E a maior dúvida é: quem será a mulher loira que manchou todo o Sudeste com sangue? ― concluiu, o repórter.

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