Epílogo

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Charlotte fumava calmamente apoiada na grade da sacada do segundo andar da casa que antes de ser de Meziriel e do ser meio fada meio sapo era do senhor do silêncio e agora a pertencia.

O cigarro que estava em sua boca terminou, a fazendo buscar o maço em seu bolso e acender outro. A loura encarou o céu, desde que envocou Anúbis blefou e perdeu, sentia que seu relógio estava correndo pela segunda vez em anos.

O céu escuro começava a derramar pingos d'água gordos e gelados, pintando manchas no chão, um pingo caiu sobre o cigarro da mulher, o apagando como uma chamada divina para a realidade.

— Há algo diferente aqui.— Comentou Charlotte entrando pela grande porta de madeira.

— Na casa? — Perguntou Edgar endireitando a postura no sofá. — Você sente que todos os problemas do mundo são pequenos para você, que o que acontecer com sua vida não mecherá os ponteiros do relógio do apocalipse, você se sente livre?

— Acho liberdade uma palavra bonita. — Comentou Charlotte caminhando até a pequena adega.

— Bem, desculpe lhe decepcionar, mas o que você sente não é liberdade.— Edgar levou o copo de suco a boca e encarou a loura que se virou em sua direção.

— Então o que é?

— Você não tem mais a amizade de Daniel pois o que ele fez até mesmo eu consideraria uma traição. É fácil sentir que não há mais nada a perder, que você poderia morrer, você não tem o que perder pois mesmo morta me encontraria. O que você sente é solidão. Você está quebrada, desesperada e possivelmente com medo, está despedaçada e com a alma fragmentada mas não consegue enxergar, ou não quer enxergar. — Ele disparou sem pensar. — Desculpe, eu não quis dizer isso.

— Sim, você quis. — Charlotte caminhou na direção de Edgar — Se a felicidade dele só poderia existir se ele destruísse a minha, eu aceito, aliás, eu já aceitei que pessoas como eu nunca seram felizes.

— Eu estou aqui caso você precise. Eu sempre estarei aqui.

Charlotte abriu a rolha da garrafa e bebeu direto pelo gargalo todo o líquido.

— Sua vida vai melhorar a partir de agora. — Edgar falou tentando a animar enquanto a loura buscava outra garrafa — Pense que novamente você enganou a morte e sobreviveu. Tudo irá melhorar.

— Não vai não, sabe porque não vai? Porque não há melhora em morrer. — Charlotte acusou — Eu já aceitei a muito tempo que pessoas como eu estão fadadas a se sacrificar por todos e nunca receber nada em troca. Então acho que nos despedimos aqui.

— Acho que essa depressão que você está se enfiando é o fim de uma feiticeira, um fim indigno. Mas o que realmente acaba em nosso meio de trabalho?

— Finais e despedidas são para amadores, uma criança está salva, uma família está completa novamente, estão não me sinto tão perdedora assim.

— Mas você blefou e perdeu! — Acusou.

— Talvez sim, talvez não, talvez eu apenas vou me arrastar até o fim dos dias. Não voltarei para Londres. Não esse ano. — Charlotte se levantou do sofá  — Irei para o México, depois Bogotá, depois para onde as milhas do cartão de crédito do Daniel e a culpa me levar.

Charlotte cogitou, talvez voltaria para casa quando surgisse um motivo.

— Então até breve, amor.

Edgar puxou a loura para si e atacou seus lábios com veracidade, se permitiu fantasiar uma vida perfeita onde ambos ainda estivessem vivos e saudáveis sem merdas e demônios para resolver.

Charlotte o acompanhou até a porta, ela sentia que era o certo a se fazer. Ele havia passado pela porta mas ainda não tinha fechado a porta, ele se virou na direção da loura que o abraçou deixando com quem algumas lágrimas fugisse de seus olhos.

— Lembre-se, sem flores. — Ela sussurrou no ouvido do homem o deixando surpreso antes de bater a porta.

Charlotte permitiu sentir o peso que havia sido jogado em suas costas, respirar fundo não era o suficiente para acalmar o fogo em seus pulmões.

— Então é assim que tudo acaba. — Charlotte comentou brevemente e soltou uma risada leve — A senhora do Sul ainda é a senhora de seu próprio destino fodido.

Com o pergaminho da morte em mãos, Charlotte acendeu o isqueiro e deixou-o queimar, a ignorância era uma benção, não saber talvez fosse a melhor coisa que ela poderia escolher para aquele momento. Ou talvez seu maior arrependimento.

Existem dez milhões ou talvez mais de histórias na Cidade dos Ventos, mas talvez nem todas precisam ter uma moral ou um final.

Fragmentadas - A Cor Da MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora