Prólogo

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Instituição psiquiátrica Rosellcar - Norte da Inglaterra - 2001

A sala de espera parecia ainda maior pelo exagero de móveis e pela ausência de pessoas circulando naquele local, se não fosse o homem de pé cantarolando baixo uma melodia aleatória enquanto esperava a enfermeira voltar aquela recepção estaria completamente deserta, como em um filme de terror.

As janelas de madeira repletas de grades de ferro, dava um ar ainda mais assustador ao local. Um vento gelido invadiu a sala fazendo o homem se arrepiar dos pés até o último fio de cabelo, ele melhor que ninguém sabia que se a amiga não estivesse em péssima condição mental, nem ela própria entraria neste lugar.

Encarou mais um tempo a recepção vazia até que a enfermeira voltou com um sorriso encantador para o homem assustado.

— Está portando alguma coisa que possa machucar o senhor ou aos pacientes? — A enfermeira perguntou assim que surgiu na sala de espera — Terei que pedir que me mostre o que há dentro da bolsa.

— Não é nada que apresente risco a ninguém — O homem respondeu apreensivo retirando o pequeno álbum preto de dentro da bolsa de papel que carregava consigo e entregando a enfermeira.

— Bem, um dos pacientes atacou ontem um enfermeiro com uma folha de papel, então não sei como julgar o que não apresenta riscos. — A enfermeira falou e soltou uma risada fraca — Por conta desse incidente, esse álbum não poderá ser entregue a ela. Mas pode deixar ele aqui guardado e depois você pega quando for embora.

Daniel concordou com a cabeça, mesmo não entendendo como um paciente atacaria alguém com apenas uma folha de papel oficio.

— Sua amiga está no quarto vinte e três. — O tom de voz calmo da enfermeira começava a irritar Daniel — Ela pode estar meio catatonia ou enjoada por conta da medicação que tiveram que aplicar nela. Ela pode não ser uma boa companhia no momento.

O rapaz sorriu para a simpática mulher, tinha vontade de responder que a amiga não era uma boa companhia na maioria das vezes, mas preferiu se calar e ignorar o aviso que a enfermeira havia dado. Tinha prometido que nunca abandonaria a amiga.

Respirou fundo juntando toda a pouca coragem presente em seu ser e começou a caminhar buscando o quarto indicado pela enfermeira. A numeração dos quartos não tinham uma ordem definida, os números aleatórios dos quartos faziam com que Daniel se sentisse em um labirinto, um enfermeiro notando o semblante confuso do rapaz o ajudou a achar o quarto vinte e três.

De todas às vezes que ele havia ido visitar Charlotte, nunca havia sido no quarto. Algumas vezes no jardim, no refeitório, no consultório ou na sala de "artes", mas nunca no quarto.

Na porta de número vinte e três haviam dois enfermeiros de pé, um louro com um enorme curativo na lateral do pescoço e um ruivo que parecia tão alto que tocaria o céu, como guardas estavam parados e imóveis.

— Você tem certeza que veio visitar ela? — Perguntou, o enfermeiro que possuía um curativo ao redor do pescoço.

— Ela é minha amiga.— Daniel respondeu encarando o porcelanato sob seus pés.

— Ela é louca — O outro enfermeiro falou ao abrir a porta — A esquizofrenia dela está cada dia pior.

Daniel entrou com medo. Quarto era o modo simpático de chamar aquele local. As paredes não possuíam pintura alguma, o chão era de puro concreto, cenário bem diferente do restante do hospital onde a porcelana branca e o papel de parede bege parecia patrocinar o lugar, no cômodo onde estava, só havia uma cama que além de estar chamuscada como se tivesse acabado de estar em um incêndio, parecia tão frágil que iria ceder a qualquer momento. Os olhos de Daniel após fazer uma varredura pelo local se concentrou na figura magra e loura que estava sentada no chão perto da pequena janela.

— Viu que bela suíte me arranjaram? — A loura brincou.

— Devo perguntar o que você aprontou? — Daniel perguntou deixando escapar um sorriso pela amiga estar viva.

— Juro que não foi nada de mais — A loura não encarava o rapaz ao falar — Leonard, o enfermeiro que eu ataquei, convenceu Webber a dobrar minha medicação e retirar todos os meus pertences.

— Isso não justifica ter o atacado, Charlotte!

— Ele rasgou a foto de Amber na minha frente. O que você queria que eu fizesse? — A loura se levantou com dificuldade e encarou o amigo indo até ele.— Não precisa se preocupar, estou pagando por ter cortado a garganta dele.

O rosto de Charlotte estava pálido, além das olheiras havia também uma enorme mancha roxa perto do olho, seu corpo estava magro, sem forma e sem vida.

— O que houve com seu rosto? — Daniel perguntou segurando o rosto da amiga pelo queixo para enxergar melhor.

— Bem, Leonard e August descobriram que os sedativos não funcionam comigo, então eles me espancam até eu apagar.— Charlotte tirou a mão do amigo de seu queixo.

A loura se sentou na cama, encarando o amigo ainda de pé.

— Hoje cedo eu falei com o Doutor Webber, ele havia me dito que você estava progredindo.

— Médicos mentem, pessoas mentem. Achei que já tinha lhe ensinado isso.

Daniel respirou fundo, sua tentativa de alegrar a amiga era sua última chance de fazer algo bom por ela.

— Eu trouxe duas coisas pra você. — Falou se aproximando e se sentando na cama ao lado da amiga — Uma a enfermeira apreendeu na entrada. Havia trago o álbum que você havia pedido mesmo não entendendo o motivo. A outra coisa foi William que mandou te entregar.

Daniel pegou a mão da amiga colocando no meio dela um pequeno colar de prata, Charlotte encarou a corrente em suas mãos. A correntinha possuía um pingente com o nome Amber gravado em letras delicadas, a letra de Charlotte.

Como se algo dentro dela tivesse sido despertado, a loura se levantou rapidamente.

— Aonde você arranjou isso? — Perguntou tomando distância do amigo.

— William me entregou, eu acabei de falar isso. — Daniel respondeu se levantando também.

Charlotte andava de um lado para o outro com a corrente em mãos, encarou a janela como se aquilo fosse lhe dar uma resposta ou ideia.

— Lotte? — Chamou o rapaz — Charlotte!

— Eu tenho que sair daqui, eu preciso pegar uma coisa. — Charlotte falou encarando o nada.

— Você não pode sair. — Daniel falou pegando na mão da amiga — Me fale o que você quer, eu busco pra você.

Em um movimento rápido Charlotte empurrou Daniel contra a parede.

— Você não está entendendo. Eu preciso que você seja minha passagem para a liberdade.

— Charlotte, o que você vai fazer? — Daniel perguntou receoso, pela segunda vez em sua vida sentia medo da amiga.

O silêncio de Charlotte fez com que o medo explodisse dentro de si.

— Eu não vou te machucar, Daniel, preciso que você leve um recado. — Charlotte aproximou sua boca da orelha de Daniel para sussurrar algo.

Nenhum dos dois perceberam quando a porta foi aberta pelos enfermeiros, a dupla pegou Charlotte pelos braços como uma boneca de pano.

— Me solta, eu preciso que Daniel saiba o que fazer.

Os enfermeiros lutavam contra a loura tentando a manter na cama até que um terceiro enfermeiro trouxesse um sedativo.

Daniel não aguentava ver Charlotte naquela situação, não sabia se ela realmente teria algo a falar ou estaria alucinando.

— Daniel por favor, por favor...

Daniel virou de costas e saiu do quarto, pelos próximo três meses a visita seria suspensa, e após esses três meses, Charlotte nunca mais tocaria no assusto sobre o que ela precisava que ele fizesse.

Fragmentadas - A Cor Da MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora