Chantagem

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Nunca achou que sentiria falta da rigidez dos treinos liderados por outras pessoas. Era muito diferente treinar sozinho, precisava ter o dobro de disciplina. Além do mais, como a cabana era um segredo compartilhado apenas com Heejin, não podia nem receber mensagens dos professores de dança o cobrando resultados, como costumava acontecer nos treinos comuns. Agora, não havia uma coreografia que precisava aprender em um número de dias para provar aos professores e ao empresário e dono da empresa, Luhan, de que estava progredindo. Não havia pressão para parecer perfeito na frente da câmera para o vídeo que iria ser postado no Youtube e, como todo o conteúdo já havia sido pré-gravado, não havia a pressão necessária no presente para cuidar da aparência com as novas rotinas de cuidados com a pele que havia se obrigado a adotar.

Ali, naquela cabana, era Byun dependendo de Yorun e vice-versa. Um precisava cobrar resultados do outro e, como ambos eram uma única pessoa, descobrira que treinar sozinho sem pressão externa era mais desafiador do que com olhos alheios o acompanhando.

Era, também, estranho estar sozinho. Não deveria ser, mas não estava acostumado àquele tipo de isolamento, tanto físico quanto mental. Era torturante guardar um segredo daqueles e, mesmo podendo conversar com Heejin sobre sua situação atual, ela ainda era sua irmã e alguém totalmente de fora do mundo de idols e K-pop.

Não estava conseguindo treinar o mesmo número de horas que treinara durante o semestre, porque obviamente não podia ir para a cabana todos os dias e também não podia voltar muito tarde. Quando passava do limite aceitável, seu pai sempre puxava assunto perguntando sobre detalhes dos estudos com Harin. Era enlouquecedor precisar buscar na mente matérias que aprendera em sala de aula para convencer seu pai dia sim dia não da mentira que havia se enfiado.

Eram tantas mentiras e omissões para diferentes pessoas que precisava tomar cuidado sempre que falava com Chanyeol ao telefone. Para ele, precisava inventar tarefas inexistentes nas tardes que estava na cabana, e até fingir que estava triste e angustiado por não poder estar treinando. Mentir para Chanyeol daquela forma era desagradável, principalmente depois de tudo o que haviam confessado um para o outro. Estava em busca daquele sonho por causa dele, porque ele lhe dera aquela oportunidade. Chanyeol não merecia ouvir mentiras, mas Byun precisava pensar no seu desempenho pessoal. Tantos meses parado iriam fazê-lo voltar à estaca zero, principalmente porque havia começado a treinar não fazia nem um ano. O corpo ainda estava se adaptando à nova rotina, e, se interrompesse aquela adaptação por tanto tempo, tudo o que havia conquistado seria em vão.

Então treinou. Por semanas, isolado, repassou incontáveis vezes todas as coreografias que havia aprendido naquele semestre. Usava fones de ouvido na maior parte do tempo, porque ainda ficava inseguro de colocar sua caixinha de som potente ao trabalho; comprara ela antes de voltar para as férias de verão com parte do dinheiro que ganhou pela música que fizera para Kim Lip, mas acabou não usando tanto por medo de ser ouvido por alguém andando pela trilha. Estava afastado, mas não iria facilitar.

Nos dias ensolarados e insuportavelmente quentes, ensaiava dentro da cabana. O reflexo nas portas de vidro só era visível ao escurecer do dia, então antes disso dançava como se estivesse em um palco, ou olhando para câmeras imaginárias. Vez ou outra posicionava o celular de forma que conseguisse filmar a si mesmo para poder conferir se não estava parecendo um espantalho em um vendaval.

Nos dias mais frescos e com nuvens bloqueando os raios de sol exaustivos, arriscava ir para a varanda de madeira, que, se afastasse as cadeiras, era mesmo como um comprido palco. Seu público, no entanto, eram as flores, arbustos, árvores, passarinhos, abelhas e borboletas. A natureza era um expectador reconfortante, fazendo seus ensaios de tirar o fôlego menos sufocantes.

Em poucos dias de treino, unindo-se às flores e borboletas, Byun sentiu sobre si olhos de verdade acompanhando seu espetáculo silencioso. Primeiro, o viu escondido em meio aos arbustos logo em frente à varanda, mesclados com algumas pedras e para trás as árvores. Levou um tempo para que ele tivesse coragem de sair de trás das plantas e parar, como uma estátua, bem no meio do gramado. Foi como se estivesse observando Byun por dias, o suficiente para garantir que não era uma ameaça.

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