-Sabes que nem é má ideia...mas só há um problema... Ela nem deve estar em casa!-exclamou.-Deve estar a trabalhar!
-Ok Charlie, já sabes o que eu acho de falares assim da tua mãe por isso...-ela interrompeu-me.
-Ok, ok. Deixa eu percebo, ela arranjou emprego ao teu irmão e isso...-murmurou.
-Não é só "isso" mas já é bom perceberes essa parte.-respondi sorrindo.
-Ok, Vals, vai chatear o caralho.-disse bufando. Desatei-me a rir e consegui ouvir o riso dela do outro lado.-Mas pronto, acho que me vou embora daqui e vou ver um filme, mas sozinha.-disse enquanto ouvi uma porta bater que supus ser a porta do carro dela.
-Faz isso!-exclamei.-E eu vou apanhar a minha irmã depois de ter fugido.-respondi suspirando.
-Ela fugiu?-perguntou admirada.
-Hum hum...-respondi.
-Aprendeu com a melhor!-exclamou animada.
-E eu estava à espera que compreendesses?-perguntei retoricamente.
-Oh, tu já o fizeste, sabes perfeitamente que ela foi ter com o namorado. Não vai fazer nada de mal, está só a passar pela rebeldia. Eu conheço-a, dentro dos possíveis, e não me parece o género de miúda que vá fugir para armar confusão.-respondeu com uma voz calma.-Claro que merece ser apanhada, mas sabes perfeitamente que vai voltar a fazer e não vais poder fazer nada, mas zanga-te, grita, arranca-lhe os cabelos, mas não a deixes pensar que o pode fazer.-disse num tom preocupado.
-Começo a achar que até tens sentimentos...-respondi realmente espantada pela resposta.
-Ok, Vals, eu tentei. Vai-te...-interrompi-a antes do insulto.
-Mas obrigada!-exclamei.-Até foi um bom conselho. Mas eu sei que estavas a falar de mim e de ti, na parte de ninguém nos ter apanhado...
-Também sentes isso, ham?-perguntou com um tom triste.
-Pais a trabalhar...-murmurei.
-Somos umas desgraçadas...-respondeu. Desatámo-nos a rir.
-Amanhã vemo-nos.-disse recuperando do riso.
-Dorme bem. E boa sorte com a tua irmã.-disse enquanto ouvi o som do motor do carro ligar.
-Bom filme.-respondi. Ouvi-a refilar comigo irritada enquanto desligava o telemóvel. Ri-me e levantei-me.
Quando entrei no corredor estava a Savannah a sair do quarto, precisamente à minha frente.
-Olá.-disse meio nervosa. Pensa que sabemos que ela desapareceu.
-Já te deu a fome?-perguntei caminhando pelo corredor.
-Hã?-perguntou admirada.
-Como estavas tão ocupada a estudar nem vieste jantar!
-Já jantaram?-perguntou.
-Chiu! Fala mais baixo, o Pete está a dormir!-exclamei sussurrando.
-Ah pois. É melhor ir comer.-respondeu baralhada.
Entrámos ambas na sala onde estava o meu avô e o Keith a ver um jogo. Deixaram o olhar fixo na televisão quando entrámos. A minha avó estava na cozinha a lavar a loiça. Conseguiram cumprir o papel de despreocupados.
-Avó, sobrou comida?-perguntou ela entrando na cozinha. Sentei-me num dos bancos da bancada a ouvir.
-Não sei, vê no frigorífico, deve haver qualquer coisa.-respondeu sem olhar para ela, colocando os pratos na máquina.
-Ok.-respondeu com uma voz baixa. Está a resultar, já se está a sentir mal o suficiente.-Ham, Vals, amanhã vais trabalhar?-perguntou.
-Sim.-respondi sem desviar o olhar do jornal.-Ah olha, da próxima vez que quiseres sair diz-me que eu levo-te. Não sais assim tantas vezes mas pelo menos avisa-me em vez de estar a ter de sair mais cedo do trabalho.-disse sorrindo-lhe.
-Está bem.-respondeu dando uma grafada no que quer que ela estivesse a comer. Agora sente a culpa.
-Quando é que vocês têm de ir embora?-perguntei à minha avó.
-Vamos na quarta.-.respondeu.-O voo é à noite. Temos de lá estar ás nove para o check-in.
-Provavelmente o Keith não vai puder ir.-disse fechando o jornal.
-Sim, já sei, mas levam-nos vocês.-disse sorrindo enquanto secava uns copos.
-Vais fazer alguma coisa, amanhã?-perguntei à Savannah.
-Não, vou ficar em casa.-respondeu.-Fico com o Pete.-respondeu enquanto mexia na comida com o garfo.
-Nós prometemos levá-lo ao jardim zoológico.-disse a minha avó.-Podes vir conosco se quiseres.
-Não, eu não gosto do zoo.-respondeu fazendo um ar desapontado. Levantou-se e foi para a sala sentando-se no sofá ao lado do Keith.
-Não faças esse olhar...-disse apoiando o queixo na mão.-Aposto que amanhã nem sai de casa.
-Estás a ser má.-disse estendendo o pano de cozinha.
-Não, avó, não estou. Se não nos chatearmos ou não a fizermos sentir mal, ela vai achar que pode realmente fazê-lo.-respondi cruzando os braços.
-Então porque é que não nos chateamos?-perguntou.
-Porque...porque não ia fazer nada.-respondi levantando-me.-Vou dormir.-disse esfregando os olhos.- Até amanhã.-respondi saindo da cozinha. Ela acentou pouco convencida da minha resposta e sorriu-me.
-Então?-perguntou o meu avô vendo-me passar apressadamente.
-Ham eu vou dormir.-respondi sem olhar muito.-Até amanhã.-disse entrando no corredor até ao meu quarto.
Tinha de sair dali. O ar começa a sufocar, as minhas mãos a tremer, as palmas suadas e a garganta seca. Fico com a vista turva e mal consigo ouvir.Algo que tenho vindo a desenvolver em mim, e não sei o que é.