Capítulo 4

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Enquanto acabava de me equipar para ir ao ginásio, senti o telemóvel vibrar. Tirei-o do bolso da mala e li a mensagem que tinha da Savannah.

"Fiquei na escola para treinar mais umas horas. Podes-me vir buscar depois?" 

Suspirei. Porque é que só se lembra destas coisas agora?

"Está bem, mas quando eu te mandar mensagem é para estares à porta do clube, pronta para ir embora!"

"Ok, mas manda mensagem quando estiveres a sair daí. :D"

"Está bem...chata, vai treinar, até logo."

"É dos genes :p e vê lá se aí o ginásio faz alguma coisa a essa barriga."

Ri-me e guardei o telemóvel no bolso. Peguei na toalha, nos fones e na garrafa e fechei a mala num cacifo. Dirigi-me ao ginásio. Olhei à volta. A sala é grande e equipada. Há duas televisões penduradas em sítios opostos e existe uma banca onde me parecem vender comida e bebidas. A sala não está muito cheia mas parecem estar todos ocupados para repararem quando entra alguém. Ainda bem.
Dirigi-me a uma passadeira de corrida. Pousei a toalha num dos braços da passadeira e o telemóvel com os fones. Ia ligar a máquina mas senti tocarem-me no ombro.
-Boa tarde, desculpe incomodar, queria saber se tem personal treiner.-disse a senhora.
-Ah não, eu inscrevi-me no ginásio livre.-respondi. Tenho um plano de ginásio feito pelo meu antigo professor, não preciso que me estraguem anos de treinos com alguém que acha que percebe disto.
-Dê-me só um momento, eu volto já.-disse a senhora reparando que um senhor estava quase aos berros ao telemóvel. Sorri-lhe e vi-a afastar-se preocupada.
Liguei a máquina e subi para cima dela. O senhor estava agora a refilar com a senhora que lhe pedia educadamente para falar mais baixo. Mal educado. Devia ir lá ajudar a senhora, mas sei perfeitamente que não sou capaz. Em vez de ter ideias coloquei os fones e aumentei a velocidade.
Ao fim de um tempo, no meio de uma mudança de música onde havia silêncio nos meus ouvidos, ouvi gritos. Olhei para trás e estava o senhor a discutir com...com o rapaz que insultou o meu nome de manhã? De onde é que ele apareceu?
Desliguei a máquina e fiquei a ouvir.
-O senhor tem de se acalmar.-disse a senhora que esteve comigo há uns minutos.
-Não não tenho! Vocês é que deviam respeitar e ouvir sempre os clientes!-disse como se tivesse razão.
-Vai falar mais baixo, se não vai gritar lá para fora sozinho!-exclamou o rapaz.
-Olhe, nunca lhe ensinaram a ser mais bem educado?-perguntou o homem.
-Já, mas nunca ouviu que para se falar com um burro temos de ser burros? Neste caso sou mal educado para ver se o senhor me percebe bem.-respondeu ele. Ri-me ligeiramente tapando a boca com a mão.
-Onde é que isto já se viu... Eu quero o livro de reclamações!-exclamou o senhor.
-Olhe, quem me dera que houvesse um livro de reclamações para as pessoas! Assim dava-me o seu e eu podia escrever vinte páginas acerca do seu fantástico comportamento num local público.-respondeu afastando o cabelo da cara. Estava suado o que me levou a pensar que estava a treinar antes de discutir com o homem.
-Não estou aqui para ouvi-lo a gozar com a minha cara! Devia ser despedido por tratar assim os clientes!-exclamou ele.
-Quem é que disse que eu trabalho aqui?-perguntou ele.-Olhe, aconselho-o a ir lá fora à receção e deixar lá fora a sua queixa. Pobre Gracie...-murmurou.-Se não se importa, vou continuar o meu treino, boa tarde.-disse isto e virou costas. A senhora fez o mesmo vindo na minha direção.
-Peço desculpa.-disse-me ela.
-Não faz mal, não teve culpa.-respondi sorrindo-lhe.
-Eu não lhe roubo mais tempo, diga-me só o seu nome.-pediu ela.
-Valentine Scott.-respondi. Nesse momento vi o rapaz levantar a cabeça e olhar para mim.

-Ah está aqui. Obrigada e continue com o seu treino.-disse ela.
-Obrigada.-respondi.

Ia recomeçar a correr quando alguém se colocou na passadeira ao meu lado. Espreitei pelo canto do olho. Era o rapaz. Boa, já não basta ser um parvo agora ainda tenho de aturá-lo aqui. Decidi ignorar e subi para a passadeira e liguei-a. Coloquei os fones e deixei-me abstrair.
De repente olhei à volta e vi toda a gente parada a olhar para o ecrã à minha direita. Decidi fazer o mesmo passando a toalha pelo meu pescoço e testa.
"...estas imagens mostram um homem que se pensa ser muçulmano, agredir um cristão e de seguida alvejar um judeu. Pedimos aos telespectadores mais sensíveis que se previnam das próximas imagens."-disse a senhora do telejornal. De seguida passaram um vídeo de um homem a ser repetidamente agredido. Gemia e gritava de dor. O homem que o agredia ia berrando com ele em árabe. De seguida o homem aproximou-se da câmara trazendo o cristão com ele, arrastando-o pelos cabelos. "This is a message for everyone around the world that saw this and thought we are making a bad thing. This is what we need to do! We need to kill all Kafirun that is around us! Kill them! Make them suffer! In the end evryone will follow Alá!"o vídeo parou nesse momento. "Imagens divulgadas por uma fonte desconhecida. Morreram hoje duas pessoas num acidente...".
As pessoas deixaram de ouvir.
-Alguém sabe o que são Kafiruns?-perguntou um homem.
-Eu dei isso a história!-exclamou um rapaz.-Acho que são os que não são como eles. Tipo, nós! É o termo que utilizam para nos chamarem algo diferente deles.-disse o rapaz feliz com o facto de saber responder à pergunta.-Como cristãos.
Depois do esclarecimento as pessoas voltaram aos seus locais anteriores. O que significa aquilo? Porque é que passaram nas notícias? Era motivo para ter medo? Não me parece, ninguém ligou muito. Voltei para a passadeira e reparei que tinham mudado para a MTV na televisão, por isso deixei os fones. Ao fim de um tempo ouvi uma voz irritante a cantar ao meu lado.

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