Capítulo 16

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-Nem acredito que testemunhámos um momento destes!-exclamou a Ev entusiasmada enquanto caminhavamos junto ao rio.
-Sim, eu sei já podemos morrer e dizer que vimos tudo!-respondi. Tinhamos acabado de presenciar um pedido de casamento de um rapaz à namorada. Vinham à nossa frente enquanto passeavamos e de repente o rapaz parou, ajoelhou-se e pediu-a em casamento. Nós ficámos a olhar sem sabermos ao certo o que fazer. No fim, a rua toda aplaudiu e toda a gente continuou o que estava a fazer como se nada fosse.
-Só que nos falta ver mais meio mundo.-respondeu a rir-se.
-Até parece que vamos ver muito mais.-respondi mergulhando as mãos nos bolsos do casaco tentando aquece-las.
-Claro que vamos! Tens uma vida inteira pela frente!-respondeu como se ofendida.-Nós temos muita sorte pelas vidas que levamos.
-Pois... Mas a menos que faças por isso, não vais ver muito mais coisas destas.-respondi.
-Mas de onde é que vem essa negatividade toda?-perguntou espantada.
-Não, Ev, eu sou realista.-respondi fazendo um olhar importante para irrita-la pois sei o quanto ela odeia que eu diga isto.
-Ai, olha fica lá com os teus pensamentos mórbidos que eu vou sonhando com o meu pedido de casamento.-disse sorrindo olhando para o céu.
-O quê,  também queres um assim?-perguntei.
-Não me importava nada! Mas vá, estraga lá tudo e diz que é uma lamechice!-exclamou revirando os olhos.
-Oh, eu nem sou assim, mas odiava que me fizessem isto no meio da rua!-respondi. Ela riu-se e deu-me um leve encontrão com o ombro.
-Quando estiveres assim apaixonada, já não vais pensar assim...-murmurou com o sorriso irritante.
-Ok, Ev, até porque tu percebes muito disso.-respondi.
-Olha, se continuarmos assim, hei-de saber muito mais que tu!-exclamou chateada.
-Por mim tudo bem!-respondi a rir-me.
-Sim, porque ninguém te vai aturar com essa vida horrível e desgraçada que tu levas!-disse ironicamente. Continuámos a caminhar até chegarmos ao restaurante.
Não, ela não sabe nada dos meus pais. Pode parecer estranho visto que estamos a falar da pessoa da minha idade que eu conheço há mais tempo mas eu preferi assim. Se contasse acabaria por se espalhar e eu não gosto que as pessoas olhem para mim com pena. Até porque nós, na realidade, não sabemos o que aconteceu com os nossos pais, por isso não há nada para contar. Quanto menos pessoas souberem disto, mais facilmente nos habituamos pois podemos viver as nossas vidas normalmente sem ter pessoas a perguntar-nos constantemente se há novidades ou se estamos "bem". Assim, ninguém sabe, ninguém pergunta nada, não estamos constantemente a ser relembrados e a receber olhares de pena e podemos viver as nossas vidas normais, dentro dos possíveis.

É claro que a Ev ou o Matt já desconfiaram que se passa alguma coisa. Eu ter mudado de casa, ficar repentinamente "responsável", estar constantemente ocupada com todos os misteriosos compromissos (as sessões do tribunal ou reuniões com o advogado), tudo isso chamou-os à atenção. Mas eles acham que é por causa do Will. Eu não nego porque na verdade ele teve influência na minha mudança de comportamento, mas a cima de tudo, prefiro que eles pensem isso do que ter de lhes contar sobre os meus pais. Ao menos posso dizer que o Will serviu para alguma coisa.

Sobre isto, só a minha família, o Adam e a Caroline é que sabem. O meu irmão quis contar-lhe e eu não me importo, ele sabe o que faz e se confia na namorada, quem sou eu para contrariar?
Nenhum de nós conta isto a ninguém. A Savannah limita-se a viver a vida dela como sempre fez, adaptando-se às pequenas mudanças. De qualquer das maneiras ela também nunca falava sobre a família com as pessoas na escola, nem falava sobre a escola em casa, por isso, para ela, é igual. Nem mesmo o Pete espalha isto, como qualquer miúdo da idade dele faria. Ele prefere falar dos pais como se estivessem ausentados para daqui a uns tempos voltarem. Ás vezes custa não ter esperança e depois ouvi-lo falar dos planos que tem para quando os pais voltarem. Não conseguimos perceber se ele não entende o que se passa, ou se finge que não percebe porque, de qualquer maneira, ele vê o que se passa à sua volta, as sessões no tribunal, a mudança de casa, a mudança de rotina...mas parece achar tudo normal. Os psicólogos chamam-lhe "Fase de Negação" mas nós damos-lhe outro nome. "Felicidade Alternativa".

-Quando é que é isso?-perguntei para ver se ela parava de insistir para eu ir a uma festa qualquer.
-Sexta, como sempre!-exclamou.
-Ok, eu depois vejo.-respondi tirando o casaco, pendurando-o no cabide.
-Hum hum, na quinta já me estás a dizer que não podes...-murmurou enquanto caminhávamos até aos cacifos.
-Logo se vê, ok?-respondi farta da mesma conversa.
-Ok, ok...-murmurou desistindo.-Olha, adivinha quem me está a mandar mensagem...-disse algo irritada e ao mesmo tempo divertida.
-Não sei, essa é difícil...-respondi sarcasticamente. -Se calhar sente-se mal por te ter posto na rua daquela maneira...-respondi arrumando a mala e tirando o avental.
-Sim claro...-murmurou sabendo que não era nada disso.-Olha diz que vai sair com o Tom e que deixou umas chaves dentro dos arbustos. Olha que inteligente,  agora vou ter que andar de cu para o ar à procura das chaves no meio do canteiro a meio da noite sem luz nenhuma! Acho que sim, Kate!-exclamou irritada.
Passam a vida a discutir, mas no meio disto tudo conseguem ser uma só quando se fala de se defenderem uma à outra ou alguém de quem ambas se preocupam.
-Ao menos já não tens de tocar à campainha se a tua mãe tiver em casa.-disse apanhando o cabelo.
-Sim, ao menos isso...-disse pensando realmente no que eu tinha dito.

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⏰ Última atualização: Jul 26, 2015 ⏰

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