Luas de sangue

1 0 0
                                    

Antes de começarmos, viajante, preciso lhe fazer uma pequena pergunta.
Como lidar com a morte?
Como se deve lidar com isso, tendo em mente que você viu a pessoa agonizando, cuspindo e pedindo por misericórdia em sua frente? Como lidar com ver isso repetidas vezes?
E por fim, como lidar com a ideia de que foi você quem às matou?
Cheiro de sangue, desespero, ódio, repulsa, medo, e descontrole, dores de cabeça terríveis, necessidade de colocar uma lâmina em um pescoço qualquer e uma sensação de prazer imenso ao matar alguém...

Demian se sentou na cama, olhava para seus próprios braços, agora completamente enfaixados.
Quando chegou a esse ponto?
Bom, não eram queimaduras, não eram ferimentos, eram apenas marcas pretas que o abraçavam...
Não saiam com água, benção ou qualquer outra coisa, já tinha sido tentado até magia negra.
No início, era fácil ignorar.
Mas tudo se complicou muito quando as marcas aumentaram, o suficiente pra alcançar um pouco de suas costas.
Demian se levantou, tirou a blusa, virou-se e olhou pelo canto do olho o início das marcas no ombro.
Ele desejou morrer.
Não que fosse algo novo.
É que por dentro o garoto já estava morto a tanto tempo que já parecia sem sentido ter uma casca viva e perambulando.
Sem propósito. Sem vontade.
Em um constante desespero por um alívio.
O grande problema com as malditas marcas é que elas haviam aparecido exatamente em uma época que não deveriam.
Demian acreditava que estava virando como seu pai.
Que o grande problema dos psicóticos desta família era a ascenção ao trono.
Agora por quê?
Parecia insanidade ao olhos do garoto.
Mas fazia sentido, quanto mais próximo ele chegava do trono, mais sentia vontade de matar pessoas...seu erro foi provavelmente ter matado quem lhe irritou. Foi ter matado Antony.
Desde então isso passou a ser tão prazeroso.
Demian havia matado mais dez pessoas desde Antony.
Ninguém importante, de um bom cargo, alguem relevante o suficiente para que houvesse certo caos.
No máximo o que se viam eram corpos sendo enterrados e famílias desesperadas.
Demian jamais matou alguém do clã da luz. Tentava ao máximo se controlar pois sabia o problema que lhe geraria, tanto com o reino quanto com Hella.
Era aceitável que ele matasse o próprio povo principalmente quando eram apenas serviçais que iam contra suas vontades.
Eram "propriedade de seu reino", certo?
Demian lutava com todas as suas forças para evitar.
Mas algumas pessoas acreditavam que podiam falar e fazer o que bem entendiam por ele ser mais cauteloso que o pai. Por ele respirar e tentar pensar melhor antes de desferir um corte no pescoço de qualquer um que esqueceu a pronúncia do seu nome.
Mas nem sempre é tão fácil de manter assim.
O garoto andava estressado.
Estressado demais. Dores de cabeça frequentes, e insuportáveis o suficiente para fazer com que perdesse a força nas pernas, ou mesmo vomitar.

Ele estava fodido.
Sempre foi mentalmente. E agora físico resolveu completar.
Ele era o próprio morto-vivo em sua concepção.

Se jogou na cama de novo com os olhos fechados.
Não sabia se o que queria era matar alguém, beijar Hella, matar o pai dela, matar o próprio pai, dar uma porrada em sua própria cabeça para ver se conseguiria dormir uma vez cerca de uma semana de insônia, dores e memórias de gritos de socorro.
Ele precisava de ajuda.
Mas a quem recorrer.
E como chegar a alguém e dizer: "Desculpe-me incomodar.
Mas veja, estou me tornando um desgraçado como meu pai.
Provavelmente por uma suposta maldição a cerca da coroa do clã das trevas.
É louco que ninguém nunca suspeitou disso, até eu chegar, mas acho coerente que isso exista.
E claro que eu não estou procurando desculpas para não me sentir tão mal por na verdade ser tão babaca quanto o cara que matou minha mãe por ter me defendido.
Olha, que irônia é eu querer morrer inclusive, antes ela estar viva e ter me deixado morrer. To a beira de um colapso mesmo.
Enfim, pode me ajudar com uma coisa que eu inventei para não sentir que sou o monstro que sou?"
Ele já estava completamente acostumado com ser um idiota.
Já havia entendido que nele não havia bondade, que o destino dele era ser um merda.
Agora o que doía era pensar que teria que se afastar de Hella.
Não pelo maluco do pai dela, ou pelo psicótico do seu próprio pai, com isso ele mesmo lidaria. Mas uma hora as diferenças apareceriam, não é?
Ela sempre sendo compreensiva e ele querendo matar qualquer um. Por mais que se esforçasse para controlar. Esse desejo ainda existia.
Como Hella reagiria ao lhe ver matando alguém? Ao ver o sorriso em seu rosto enquanto ele brincava de de espetar a carne de algum Zé ninguém... com família...filhos...Eles iriam morrer de fome? Frio? Viver na rua?
Eram perguntas que Demian usava para se controlar.
Mas não funcionava no clã das trevas. As únicas pessoas que pareciam ser boas alí eram as que mais sofriam.
Passavam fome. Então, por restar lhes apenas sofrimento, aprendiam a compaixão.
Por essas Demian tinha simpatia.
Mesmo que se controlando e barrando o tempo todo... não era fácil para o garoto mostrar qualquer sentimento.

A Clave: A Luz Que Reina Sobre TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora