O sol tímido da manhã tocava os dois herdeiros deitados juntos em quase um só. A luz e as trevas que caminham juntas para manter um equilíbrio.
—Bom dia, minha rainha.–O rapaz saúda vendo a garota acordar ainda muito sonolenta.
—Bom dia, sombrinha.—Responde de forma manhosa passando o rosto sobre o corpo de Demian.—Dormiu bem?–Pergunta baixinho, se ela fechasse os olhos dormiria outra vez.
—Sim, senhora!– Ele afirma e sorri, passa os dedos pelo cabelo de forma preguiçosa.—Pelo visto você também, mal quer acordar.– Hella dá uma risadinha e vira seu rosto lentamente para cima admirando cada folha daquela árvore e a forma pacífica na qual elas balançavam. Só queria que esse tipo de momento se eternizasse.
—Você é melhor que a minha cama fria e vazia digamos assim.
—Bom saber.
—O que?– Pergunta sem entender o sentido do que o garoto falou.
—Que tenho cara de colchão para você.– A garota dá risada de forma a fechar os olhos e sentir a barriga doer.
—Você nasceu idiota ou adquiriu isso em dívida de jogo?–Retruca finalmente tomando um ar.
—Foi por transmissão. Tempo demais com você.–Diz ainda sem tirar o sorriso do rosto enquanto a admira.
—Que sorriso é esse?– O encara sorrindo de volta e lhe roubando um beijo rápido.
—Estou aproveitando tudo que posso de você.–Responde sem dar muitos detalhes, não estava mentindo, ele de fato estava aproveitando.
Só não sabia dizer que era porque planejava findar a sua vida de forma definitiva.
—O que é isso? Uma declaração? Está com febre?– Toca o pescoço do garoto como se conferisse sua temperatura.
—Fique quieta!–Diz rindo e a trás de volta para se deitar.
—Pare de me cantar desse jeito, acabarei ficando apaixonada.
—Acho que falhei em conquistar o seu reino.
—Por que diz isso?
—Porque já era para você estar caidinha por mim!
—Não vai acontecer.
—Ah, se vai. Nem que eu tenha que chutar suas pernas para que caia.
—Seu jeito de ser romântico me encanta, babaca.
—O seu jeito de ser gentil também, mimada.
—Fofo.
—Me xingue, coloque uma maldita lança em meu peito, mas não diga algo assim
É pior do que suas juras de morte.– Diz provocando um riso longo de Hella. —Olha eu preciso dizer algo...— Respira fundo tomando coragem para iniciar quando Hella o interrompe.
—Eu entendo que é difícil para você, Demian. Não vou te cobrar isso.
—Você não entende, sweet hell
—Entendo! E quero que fale quando se sentir bem para isso.
—Desculpe.– Ele sabia que estavam falando de coisas diferentes, mas não sabia como falar, e saber que ela esperava outra coisa só piorava tudo.
—Não há necessidade disso, Demian. Não é algo tão importante.
—É, não é. –Ele respira fundo. Ainda estava tentando resolver como diria isso para ela.
Iria dizer em um impulso de coragem, mas este impulso havia acabado de ir por água a baixo.
Por mais que ele soubesse que a destruiria hora ou outra, doía ter que fazer isso, quantas vezes ele já havia a afastado? Quanto tempo perdido?
A única coisa que o tranquilizava era saber que ela ficaria melhor sem ele, o tanto de juras de morte que a garota tinha recebido ultimamente devido ao fato de sustentar toda a merda que ele fazia, todas as vidas que ele tirava, era assustadoramente gigantesco.
Ele causava o caos até mesmo na mais pura paz.
Acabaria fodendo com tudo se ficasse mais, mas ele também não queria vê-la com dor ao partir.
Entretanto, também não podia ir sem se despedir, sem avisar, sem se explicar.
Não é tão facil deixar alguém, nem quando é para o bem.
—Há vezes em que precisamos fazer escolhas tão difíceis...
—É assim com todos nós.
—É como se finalmente quando eu estivesse prestes a conhecer a felicidade ela fosse arrancada de meus braços.
—Profundo.
—Por mim mesmo.
—Já pensou em escrever poemas?–Diz a garota rindo, parecia tão profundo, um pensador nato.
—Idiota!–Responde soltando uma gargalhada.
—Não sei o que seria de mim sem meu melhor amigo.– Ela confessa ao acaso, e mais uma vez, culpa.
—Espera.–Ele se senta sobre a grama a encarando sério.
—O que foi?– Responde levemente preocupada, era um campo minado aquelas terras, facilmente poderia ser uma notícia de guerra. E Demian permanência em silêncio a encarando.—Pelo amor dos falecidos deuses, fale homem!
—Você- você tem amigos?!–Indaga logo caindo na risada.
—E você, tem neurônios?
—Ah, não foi nada demais. Uma brincadeira apenas.
E assim foi o resto da tarde dos dois, ignorando a vida real, e duas origens completamente diferentes, ignorando também a morte, como se ela não os estivesse observando como um cão faminto. Demian sentia como se fosse de fato isso. Uma fera. Com sangue nos olhos frios rodeando aquele pequeno momento de paz e cantarolando a melodia mais aterrorizante de sua vida.
E quais as razões disso agora? Ele nunca tivera medo da morte, mas agora, a encarando nos olhos enquanto silenciosamente escondia Hella em seu peito...Agora ela se parecia agonizante.
—Hella— O garoto chamou em tom de confissão.
—Outra graça? Vou arranjar um chapéu de bobo da corte para você.
—Eu preciso ir.
—Papai está esperando?
—Por que você é assim?— Ele riu mas logo a graça sumiu lembrando-se do assunto principal.
—Eu não digo ir para casa sweet hell.—A menina engoliu em seco em silêncio dando espaço para que o outro continuasse.— Estar nessas terras traz morte ao meu povo. Ao seu povo. E sabemos que não é controlável.
—Do que você está falando? Se isolar? Não faz sentido se— O príncipe a interrompeu subitamente.
—Eu voltaria Helsing... E eu não posso correr esse risco.
Bem como não posso deixar você continuar assumindo a culpa de tudo isso.—Respirou fundo—Até quando?
—Do que você está falando?— Hella perguntou se afastando. Não lhe era nada justo que quando enfim tivesse "paz" ela lhe fosse tirada de tal maneira. Ele não poderia estar se referindo a
—Morte. Enquanto eu estiver vivo sei do que sou capaz de fazer.
E eu sinceramente não sei mais lidar com o que eu fiz.
—Você não pode.
—Eu devo.— Riu de forma amarga procurando pelos olhos que voltaram a evitar os seus. Sempre doía igual.— Me perdoa, mas eu não posso ficar.— Demian quase ouviu um pedido oposto. Mas a feição da garota se endureceu.
—Está certo. Não pode e nem deve.— Doía, mas agora quem tinha que falar era a rainha. E ele estava certo. Uma guerra hora ou outra estouraria com tantas mortes. Ambos conheciam bem seus povos.
—Não aja dessa forma.
—E por que não?
—Sabe que não há necessidade.
—O que eu deveria fazer? Desarmar em lágrimas? Elas te fariam ficar?
—Eu também estou assustado.
—E deveria.
—Hella você-
—Você sabe que vai virar um vagante, não sabe? Sabe que não nos veremos outra vez, não sabe? Sabe que quero que você fique, não sabe?
—Eu sei mas— Hella interrompeu outra vez.
—Então não há mais algo a se dizer. A escolha é totalmente sua.
Demian ficou em silêncio, até criar coragem. —Quanto ao vagante... O que você sabe sobre isso?
—Você deveria descobrir sozinho.
—Teria como você parar de agir como se eu fosse o pior do mundo?
—Eu não sei lidar com a perda, Demian. Eu não sei.
—E você acha que eu sei? Que está sendo fácil?
—Vagantes.— Disse a menina mudando de assunto.—O termo certo são almas perdidas. Você não vai para o mundo dos mortos. Você não passa pela redenção. Você apenas some.
—É, eu não estava tão errado afinal.
—Não te assusta a ideia de desaparecer?— Fala finalmente o olhando noa olhos.
—Como eu já disse antes: eu também estou assustado.
—O que eu faço sem sua companhia? Digo, sem você testando a bondade da minha existência em coexistir ao seu lado?
—A primeira fala é a que conta. Olha eu— Demian paralisou, imagens de sangue, havia uma criança. Por quê?— Que merda—Gemeu de dor recolhendo se contra a árvore. As marcas negras em seu corpo lhe queimavam e sua cabeça doía de forma explosiva.
—Demian?— Hella o chamou de aproximando. Os olhos molhados, as veias saltadas. Parecia doer mais do que a própria morte.
—Não, não, não.— Aos poucos as imagens se dissipavam, não eram mais tão reais, apesar de serem acontecimentos da realidade, e que o assustava terrivelmente o menino que se encolhia cada vez mais. Ele subiu os olhos para Hella perdida em sua frente, enquanto pressionava as mãos e unhas contra os braços de forma que machucava, os gritos da criança ainda estavam ecoando na mente dele. Por quê? Por quê? Por quê?
O garoto sentiu sua respiração pesar, seu coração batia de forma descontrolada, e uma angústia crescente tomava conta de si, os olhos que insistiam em traçar rios pelo rosto do mesmo.— De novo não. De novo não. —Repetiu baixinho. E agora, o medo da morte resolveu se juntar ao medo de quem ele era quando matava.
Hella se aproximou procurando os olhos perdidos e o puxando para se encostar nela. —Demian, se acalme.— Disse ao notar a respiração do outro que estava alta e nada eficiente. — Sombrinha, me escute...
Os ouvidos do mesmo rapidamente se apuraram, mas ainda haviam gritos, e extrema agonia. — Eu só quero que pare. Eu só quero respirar. Eu vou morrer. Caralho, eu vou morrer.
Hella, eu preciso respirar! —Disse de forma desesperada em meio ao choro, enquanto cravava as unhas contra a própria carne.
—Está tudo bem... Você não está sozinho. Não está.
Você está seguro. Aqui está tudo bem. Você pode ficar tranquilo.
—Eu não consigo. Por favor, me faz respirar.— O peito dele subia e descia em uma velocidade assustadora, e o de Hella doía ao mesmo ritmo. Talvez, talvez ele estivesse certo em querer ir embora. Ninguém merecia ser forçado a viver isso. —Me diga o que você está sentindo.—Demian hesitou, parecia muito pior mexer ainda mais nessa ferida.
—Diga o que está sentindo.
—A...Agonia.—Disse pausadamente.— As vozes. Os gritos— Falou ofegante.
—Me diga o nome de um cavalo.
—Klodus.
—Um nome de alguma pessoa.
—Hella— Respondeu sentindo a respiração se acalmar um pouco. Estava conseguindo.
—Não pense. Apenas responda. Uma cor
—Vermelho.— As unhas curtas se desgrudaram dos braços machucados enquanto o choro parava aos poucos.
—Um som de sua preferência.
—Pássaros. Gosto disso.
—Você consegue respirar.— Disse a menina sorrindo ainda com o mais alto meio escondido.
—Eu consigo respirar.— Respondeu aliviado.—Obrigado.
—Está tudo bem. Você fica devendo essa para quando nos encontrarmos no outro plano.
—Sabe que não tem como.
—Sim. Tem.
—E como seria?
—Terei que fazer o que sempre quis.—Disse tentando ser forte. Sabia que se fraquejasse em um só momento nessa idéia, ele jamais concordaria.
—O que?
—Terei que te matar. Muito melhor do que você fazendo isso. E já tenho fama de assassina de qualquer forma.— Ela deu de ombros e Demian se afastou a encarando assustado.
—Vai me jogar de um precipício?
—Simplesmente demais.
—O que você vai fazer?
—A morte é minha-
—Na verdade é minha. —Respondeu interrompendo.
—Eu me referia ao assassinato.
—Então se refira certo.
—Você está me fazendo pensar em tantas formas.
—Perdão. Prossiga.
—O assassinato é meu. Faço como quiser.
—Eu não opino na minha morte?
—Logo você estará morto. Se acostume a não ter muita opinião.
Após respirar algumas vezes, novamente buscando coragem.— Você está certa. Não há porque demorar.
Me mate.
O coração da menina acelera e para em seguida. Encarar de tão perto era pior do que pensar em uma futura possibilidade.
O garoto se virou a abraçando de forma confortável, como se a escondesse outra vez do mundo, e ao mesmo tempo, como uma criança que buscava colo. Ainda estava assustado. Hella percebia isso nas lagrimas contidas que molhavam sua roupa com aquele rosto deitado em seu peito.
—Eu posso partir aqui?
—Se é a sua vontade sombrinha...—Hella sorrio fazendo carinho no cabelo do mesmo.
—Sim. É. —Um silêncio ensurdecedor se instaurou entre os dois, até ser quebrado ainda pelo menino. —Eu te amo.— Sussurrou.
—Eu também te amo.—Respondeu e sentiu o abraço se apertar em um "Eu estou pronto" silencioso. Então ela o fez, antes que perdesse a coragem. Os sons que preencheram seus ouvidos foi o da pele do peito do garoto sendo totalmente rasgada enquanto o cristal que partia do corpo dela o atravessava, de forma simultânea o garoto tossiu sangue contra a mesma que fechou os olhos com força e sentiu seu corpo ter um pequeno choque de agonia. Aos poucos o aperto desesperado do menino se suavizou e as mãos caíram. E foi ai que acabou para Hella. O mundo desarmou. Não era uma futura rainha. E sim uma amiga e amante atual. Seus olhos esquentaram a medida que as lágrimas apareceram e ela apertou o corpo de Demian começando a chorar ainda mais.
Era esmagadora a dor de perder alguém. Era esmagadora a dor de ter que matar quem você ama.
Seu coração parecia estar sendo triturado enquanto Demian se desfazia em um pó azulado que desaparecia em seu abraço.
—Até o próximo plano, sombrinha...
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A Clave: A Luz Que Reina Sobre Trevas
FantasyOlá caro viajante, está é Foursend. Foursend, como explicar o inexplicável lar de todos os seres. Foursend é divida em dois reinos e espaços livres, isto é, reino das luzes, reino das trevas e o resto é livre. Mas ainda assim, é comandado por eles. ...