Sombrinha

1 0 0
                                    

Demian estava sentado à beira do mar.
Desejando que não estivesse ali, desejando que não estivesse em lugar nenhum na verdade. Desejando que nem estivesse vivo para ir a outro lugar.
Tudo o cansava ultimamente, a idéia de que herdaria aquele maldito trono feito das lágrimas das pessoas que os aclamavam como deuses.
Aquilo pesava, pesava de uma forma que às vezes Demian se recusava a sair de sua cama.
Ele queria se recusar a muita coisa.
Ter que lidar com o peso de um reinado era uma delas.
Reinado este que já pesava sobre o garoto antes mesmo de seu nascimento, delimitando o seu ciclo social, seus deveres, sua personalidade e até a forma que ele deveria se referir ao seu povo.
Não era como se a coroa determinasse tudo isso para ele, mas, para o resto das pessoas, determinava.

Poderia ser bem como uma nova era onde tudo começasse a melhorar quanto poderia ser mais um marco de merda grotesco na história do clã das trevas.
O que não seria lá uma novidade de certa forma.
Mas alguns seres, apelidados carinhosamente por seu próprio povo como "burros", ainda tinham uma faísca de esperança.
Como o último fósforo em uma caixa, uma última chance, um último fogo, a última vontade de se esquentar e não morrer de frio no inferno congelante que as ruas se tornavam todo dia quando o sol baixava, às vezes até quando estava alto, não tinha um padrão para a violência, morte, fome e dor. Ao contrário, era mais como uma onda sufocante e aleatória.
Mais de dez quilômetros de altura, sufocando qualquer um que estivesse em sua frente, e então tinham os que aceitavam sua morte pacificamente e tinham os pobres que lutavam contra a água e se contorciam em lágrimas misturadas ao sal, esses, os que lentamente procuravam por ar e esperança e em troca recebiam a sensação da água inundando seus pulmões e queimando por dentro, eles gritavam pedidos de socorro que na superfície soava apenas como pequenas bolhas. 
Pequenas bolhas que líder nenhum quis se importar.
Poderia ser diferente com Demian…
—Merda–Fechou os olhos com força.
Ele não era a melhor pessoa para definir coisas, mas, neste momento em específico, a situação foi perfeitamente definida. Merda.
Era só o que daria para usar como adjetivo para tudo aquilo.

—Ah!– Um pequeno devaneio, Demian entrava aos poucos em sua imaginação, e lá um garoto de cabelos preto corria pelas areias da praia, um tanto quanto desesperado.
Então ele apenas permaneceu calado e de olhos fechados vendo a criança parar sozinho com dificuldade de respirar.
O peso que a criança carregava a impedindo de usar o ar da forma que seus pulmões foram educados a fazer parecia pesar também no dono da lembrança.—Eu não quero voltar lá! Aquele não vai ser meu destino. Não!–O pequeno garoto havia acabado de ver sua própria mãe morrer em sua frente.
Bom, ela não era tão importante, o único motivo de sua utilidade foi o quesito reprodutivo.
Tinha uma boa linhagem, e era do clã das trevas, era o suficiente. Uma garota boa, e pura.
Ela cuidou de Demian até os oito anos do garoto. Quando foi morta por remover uma ordem do rei.
Gartelk tinha ordenado a um executor lutar contra seu filho. E que se ele não fosse forte o suficiente, matasse.–Essa espécie de castigo veio de uma pequena fugida de Demian, uma criança, de um treino–Elaine, a mãe dele, negou que seu filho fosse, e escondeu o garoto.
Bom, teria consequências. E sua execução foi a consequência.
Por uma fresta.
Por uma fresta, Demian viu o que seria seu pior pesadelo para o resto da vida.
Ver por anos aquela cena se repetindo em sua mente.
E piora, a cada morte por culpa de seu pai eram mais os rostos que ele via e escutava sofrer até sucumbir em apenas sangue e corpo. Sem alma, mas também sem dor.
Talvez isso o tornou insensível com o tempo.
De tantas mortes vistas, ele não se abalava mais em nenhuma. Assistia às execuções com os olhos opacos e sem expressão.
Não haveria o que fazer, nem gritar, ou tentar impedir funcionava.
Então, ele respirava fundo e mantinha a apatia grudada em sua cara.

—Eu não quero. Eu não posso. Eu não vou!–O pequeno Demian sacudia a cabeça em negação.
Tentando esquecer a dor de sua mãe pedindo, implorando, para permanecer viva, ou ao menos que cuidassem de seu filho direito.
Era horrível para uma criança de oito anos ouvir aquilo, e ver, repetidas vezes, de novo, e de novo, e de novo. E acrescentando que era seu pai a fazer aquilo...e que era aquele legado que ele iria carregar.
O legado de um assassino, insensível, ruim, egocêntrico, e que só ligava para si mesmo. Um idiota.

A Clave: A Luz Que Reina Sobre TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora