Quando seus olhos se abriram outra vez...Tudo estava escuro.
O som oco amadeirado, como uma batida no chão, e tudo estava claro. Demian estava deitado flutuando, em pleno nada, procurou por si mesmo, e estava em vestes claras, branquíssimas, o que quase o causou um mal estar.— O que?— Um pequeno barulho de respiração o atentou, virando-se imediatamente procurando o som que ecoou pelo que parecia ser a maior alucinação que já tivera em tantos anos de memórias atordoantes.
—Que bom que acordou, Demian.— Um homem se aproximou. Seu cabelo era ondulado, cobria a testa e carregava um branco tão fino quanto o azul dos seus olhos. Suas roupas tinham tons claros, uma calça de um marrom que quase sumia, e uma blusa branca, apenas seu cajado se destonava um pouco, sendo um azul levemente mais forte que voava ao seu lado.
—Eu não morri?
—Sim! Morreu.— Respondeu simplista.
—E o que faço aqui?— Perguntou tentando acostumar seu corpo a flutuar naquele espaço que não lhe fazia sentido algum.
—Não é porque você e a Hella mentiram sobre as mortes que você não terá de pagar por elas para viver em paz. Acha justo ter feito o que fez e viver tranquilamente?
—Não fiz nada por escolha.
—Mas o sangue não está nas minhas mãos, estou certo?— Perguntou com a sobrancelha levemente arqueada e o garoto assentiu tendo uma breve fechada em sua expressão.
—Nada mais certo do que me fazer pagar.
—Vamos parar por aqui então.
—O que?
—O que você está procurando é punição. Punição você já teve vivo. Isto é redenção.
Se você quer se punir, até eu posso fazer isso para você.—Ele deu de ombros pegando seu cajado do ar e o batendo com força contra a barriga de Demian que imediatamente foi empurrado e se viu caindo no grande nada que estava voando. E que dor infernal era aquela?
O garoto colocou as mãos contra o abdômen sentindo que ainda estava caindo, mas mais devagar, enquanto sua alma parecia se contrair no local da batida.
E então, como se nada tivesse acontecido, ou ninguém tivesse sido agredido, o homem apareceu novamente ao lado de Demian o fazendo parar de cair.
—O que...O que
—Agora te darei uma ideia do que é redenção.— Outra batida do chão. Ele havia sumido. Demian tremia de medo, estava com roupas que não era dele, e em um lugar que não reconhecia. Por que estava tremendo? Seus olhos subiram para a figura cruel em sua frente. Corpos ao seu lado, sangue espalhado. E quem estava lá? Quem era o culpado? Ele.
—Mas que merda é isso?— Uma cadeira se chocou contra a costela de Demian, o jogando na direção de uma parede, a carne de seu corpo tremia de nervosismo e medo.—Não....—Sussurrou baixinho para si mesmo. Agora lembrava. —Foi o eu... O que eu...—Uma série de socos foram desferidos, o fazendo sofrer e se debater em agonia, sua perna foi arrastada o tirando de perto da parede, seu corpo foi ao chão, tendo a vista de um homem alto, nada de seu rosto, o cabelo preto e molhado de suor, a pura irá enquanto ele agia como um maldito animal, e quando já estava mole, sua cabeça foi empurrada no chão de sangue escuro. Tudo doía muito mais. É como se tivessem aumentado sua sensibilidade a tudo. As sensações de dor e angústia eram horríveis. Ele chegava a preferir apanhar outra vez, e sentir aquela dor horrorosa.
Sua mão foi cortada, o sangue não saia de forma normal, era tudo assustador e as luzes se apagaram. Outro barulho. Cajado maldito.
—Não desista ainda, garoto.— Disse o homem. Demian estava de volta a imensidão branca.—A inúmeras vidas para você pagar. Mas se não conseguir, podemos parar.
—E ai?
—Bom, se não há redenção...não há salvação.
E pelo que eu sei, você tem bons motivos para não desistir.
—Como assim?
—Acha que a menina da luz não irá pagar por ter matado o futuro rei de outro clã?
Seria injusto de sua parte deixar ela pagar tudo isso, e simplesmente desistir.
—E se ela também desistir na redenção?
—Você a subestima. É burrice sua cogitar isso.
—Eu não vou desistir.
—Que bom. Porque a partir de agora você vai desejar ter desistido.
E, ah, Prazer! Eu me chamo Hariel. O anjo mentor.— Disse e sorriu mostrando pequenos olhos como os de uma cobra, profundos e assertivos.
—Espera você- O cajado bateu no chão. Filha da puta.
Demian estava sentado, um corpo muito pequeno para si mesmo, apesar do próprio não ter prazer algum em estar ali, aquele corpo parecia feliz. Admirando o local percebeu dois seres mais velhos no ambiente, comiam quase angustiados, mas com um pequeno sorriso. A porta foi fuzilada por batidas, e o pequeno corpo se enrijeceu deixando a comida no prato. —Mãe, eles vão pegar vocês agora...?— Sugeriu o pequeno Demian, a figura materna se levantou sorrindo de forma gentil e delicada.
—Não há com o que se preocupar, Akin.
Fiz apenas o que era preciso, nós precisávamos de um jantar, querido. E não há quem saiba disso.— Respondeu indo na direção da porta enquanto as batidas voltavam outra vez.
O mais vejo ao lado enfiou à mão em seus cabelos rindo e fazendo-o rir também.
—Mas vão fazer se não parar com essa bocona.— Demian engoliu em seco ao sentir a presença quando a "mãe" abriu apenas uma fresta da porta. Sabia o que estava prestes a acontecer.
A porta foi empurrada com uma grande brutalidade, a fazendo cair no chão, o homem alto entrou enquanto o "Pai" se prontificava, mas parou assim que viu quem era. —Meu príncipe... O que faz aqu—A voz da moça foi cortada a medida que uma espada decepou sua perna tirando um grito agonizante de sua boca. O homem foi correndo em direção a sua esposa mas foi jogado para longe, ainda no impulso de ajudá-la armou-se com uma espada longa que havia no canto da sala. Assim que se aproximou a versão sanguinária o desarmou, o ergueu pelo pescoço esfaqueando diversas vezes sua barriga. O homem não gritou, apenas engasgou-se com o próprio sangue, tossindo e o fazendo respingar na figura impiedosa, sua falta de reações foi compensada pela da sua mulher, jogada ao chão que gritava em dor e desespero, enquanto o pequeno Akin vivenciado por Demian encarava, assustado e ofegante em medo e angústia, o corpo foi jogado ao acaso, e friamente sua mãe foi morta. Dedo por dedo, membro por membro, e as risadas imparáveis daquela figura tomada por manchas negras, até que ele caminhou em sua direção.
O pequeno corpo pegou a faca que estava na mesa, saltando da cadeira, e se posicionando para defender-se, trêmulo, mas pronto para vingar aqueles a quem tinha acabado de perder. Os passos se aproximando lentamente, o homem se abaixou, olhos possuídos por fúria e um sorriso maníaco. Ele estava ali, por que não conseguia mata-lo? O corpo estava paralisado.
—Boo— Sussurrou baixinho para a criança que chorava sem conseguir mexer um só membro, a faca foi tirada de suas mãos com facilidade e cravada em seu pescoço causando uma dor miserável, e agonizante, e sorriso de satisfação no rosto sujo de sangue foi a última coisa que o pequeno viu antes de cair para trás. —Era uma vez um guerreirinho, tão feliz e no fim...morreu sozinho— Cantava enquanto saia da casa com tranquilidade.
E outra vez Demian abriu os olhos, vendo a si mesmo sentado no chão. Tentou se mexer, mas estava preso, amarrado e pendurado em uma árvore, sua maldita versão descascava uma fruta em total paz até que o olhou sorrindo. Se pôs de pé se aproximando, alguns barulhos, Demian não conseguia olhar o que ele fazia ali em baixo, mas em questão de segundos seus pés encontraram um fogo sem piedade alguma, um calor repentino, e o cheiro de fumaça que tomava o local, lentamente foi sendo mais abaixado. Seus pés se contorceram e se contraíram em dor. Um grito rasgado e genuíno do fundo de sua garganta enquanto a figura sombria assistia atenciosamente parecendo feliz com a situação.
A dor era aguda, o calor torturante, enquanto mais ele se movia ali, mais a corda feria sua pele, a luta era inútil, mas não havia como não se mover diante de tanta agonia, mal conseguia respirar, sentia quase como se fosse cozido ali, lentamente foi inserido totalmente no fogo, a corda por algum motivo estourava, e ele estava ali, agonizando, seus olhos queimavam na dor profunda, se ao menos poder se mover se ao menos poder fugir, uma puxada de ar fez com que sentisse o fogo em seus pulmões, pancadas de um tronco contra a pele viva de forma dolorosa. —Se eu sobreviver...nunca mais mato alguém— Foi o que ele disse antes de ser atravessado por uma espada e tudo se tornar escuro outra vez.
Quando acordou, em outro corpo, era arrastado pelo chão, sua cabeça doía e latejava de forma intensa, algumas pedras e elevações o faziam bate-lá, piorando a dor, via a figura de seu terror o puxando, e um grande litoral, a sede o tomava, até que tendo parado, foi puxado para que sentasse, em sua boca foi posta uma pequena peça de madeira com um líquido dentro, o cheiro entregava não ser álcool, na verdade, se parecia quase intragável, mas foi forçado a beber.
Aquilo lhe desceu queimando, ardendo, um liquido azedo e meio amargo. Era só um copo de água...
Seu cabelo foi agarrado e seu corpo puxado para mais perto da água, enquanto a figura de tortura ia cada vez mais ao fundo, Demian lutava para que não se afogasse, engolindo a água do mar, e muita areia enquanto era arrastado para o meio das águas, o garoto se debatia não sabendo bem lidar com a situação em que estava, até que seu corpo foi empurrado para submergir de ver, os primeiros segundo em que lutou foram tranquilos, até que o oxigênio lhe faltou, e o instinto primitivo de sobrevivência tomou conta, o fazendo se mover com muita força, mesmo sem necessariamente planejar. Seu rosto foi tirado da água, mas sabia que não havia misericórdia. Dois socos fortes em sua barriga, o desespero pelo oxigênio se tornou ainda maior, e quando finalmente o puxou, foi submerso outra vez engolindo muito da água salgada e respirando dela também. Outra vez voltou para cima, não teve tempo para processar o soco em seu rosto, apenas sentiu a dor e o sangue quente descendo de seu nariz, de volta a água, foi pisado ali em baixo, enquanto lutava pela vida, quando o ar se fez faltoso, o corpo sugou a água salgada, ardendo todo o caminho que ela repercutiu e causando uma dor intensa em seus pulmões, o corpo ainda se movia por impulso enquanto lentamente a água clara agitada e areia que se movia diante de seus olhos foram escurecendo outra vez.
O sol queimava a pele desidratada, e foi assim que Demian foi acordado, a areia em suas costas o causava um incomodo sem tamanho, pequenos animais o mordiam por todos os lugares de seu corpo, formigas em sua maioria, o ardor da pele seca, a boca rachadas, o olhos cansados, iria morrer assim dessa vez?
Fechou os olhos e então uma sombra o fez abrir de novo, e ao abrir, lá estava ele, seu corpo tremeu de imediato. Ele se moveu na areia, fraco, e com muita dor. Um ferro em brasa, já vermelho foi empurrado contra o seu abdômen o fazendo gemer de dor no chão.
Os olhos se fecharam com força na medida do grito, e outros lugares foram marcados com o ferro.
Assim que passou, seus olhos lacrimejavam descontroladamente, o ferro foi jogado contra a areia, mas Demian ja sabia que não pararia ali.
Seus dedos foram tocados com fascínio, todos machucados, e roídos, a quanto tempo ele estava ali?
O estralo veio junto com a dor, o dedo não se movia, e estava em uma posição nada natural ao corpo humano, os olhos assustados e esbugalhados em direção a própria mão, a cada estralo em um dos seus dedos que o fazia gritar.
Em um ato burro, mas compreensível, chutou fraco a figura de seu torturador que se divertia por seus gritos.
Estranhamente o prazer sádico se aumentou, criando um sorriso largo naquele rosto, as mãos grandes e firmes pegaram em sua cabeça com muita força, o arrastando, e batendo em uma pedra, seu sangue ao longe, e o resto dele que sujava perto, e aquela risada...descontrolada e maníaca, foi a última coisa que Demian pôde perceber antes de tudo se apagar outra vez.
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A Clave: A Luz Que Reina Sobre Trevas
FantasyOlá caro viajante, está é Foursend. Foursend, como explicar o inexplicável lar de todos os seres. Foursend é divida em dois reinos e espaços livres, isto é, reino das luzes, reino das trevas e o resto é livre. Mas ainda assim, é comandado por eles. ...