12. O Ritual

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OTTO

— Por que há um bárbaro no lugar do meu filho? — questionou o Imperador assim que o viu.

Nos meses em que Otto estivera fora, seu pai não mudara nada. Ainda era o mesmo homem robusto com grandes bigodes negros intocados pelo tempo. Otto não podia dizer o mesmo de si mesmo, pois sua barba e cabelos nunca estiveram tão crescidos nem a pele tão bronzeada. Fazer o quê? Não haviam navalhas na guerra e nenhum criado fazia sombra quando você estava reconstruindo casas.

O Imperador costumava ser um homem pragmático, mas a dor visivelmente o consumia. Cumprimentou o filho com um abraço afetuoso e um aperto de mão forte, mas deliberadamente evitou tocar no assunto que o trouxera ali. Havia tanta tristeza em seus olhos, que Otto decidiu não pressionar. Ao invés disso, falou sobre os meses que havia passado em Salomônica. A cidade havia sido destruída por uma invasão bárbara, mas Otto, além de expulsar os inimigos, participou pessoalmente da reconstrução do lugar. No centro do gabinete real, havia uma grande mesa esculpida na forma de um mapa, representando grande parte dos lugares do mundo conhecido. Otto utilizou-se dela para fazer várias indicações, falar de exércitos e dos lugares que havia visto em sua viagem. Seu pai ouvia, cabisbaixo. Por fim, as palavras não puderam mais ser evitadas e precisaram ser ditas.

— Seu irmão está morrendo. — e assim, numa sentença curta, de apenas quatro palavras, Otto sentiu que seu destino estava sendo selado.

— Eu recebi a sua carta, meu pai. — Otto disse, cautelosamente. — O que aconteceu?

Então, o Imperador falou sobre a caçada que havia falhado e explicou sobre as perspectivas médicas. Há duas semanas atrás, quando o príncipe Ivan foi devolvido ferido, havia uma mínima chance de recuperação. Agora, a ferida gangrenava e a febre o consumia. Seus olhos, que até tinham se aberto algumas vezes nos últimos dias, pareciam agora ter se fechado para sempre. Ninguém mais esperava por uma recuperação e todos aguardavam apenas o momento da morte.

É claro que Otto já sabia de tudo aquilo. O Eunuco Gui, seu fiel servente, havia lhe mandado muitas cartas na surdina. Mesmo assim, ouvir seu pai dizendo era uma experiência diferente. Quando as palavras saíam da boca do Imperador, elas pareciam se tornar reais, carregadas de um peso difícil de suportar.

Otto não soube como responder. Ele apenas pregou os olhos no mapa, deixando que a soturnidade do momento o envolvesse. Uma parte dele tinha esperado que fosse mais fácil lidar com aquilo, afinal ele nunca havia nutrido qualquer tipo de afeto pelo seu irmão. Ele não esperava, entretanto, ver diante dos seus olhos a imagem de um grande líder colapsando sob o amor de um pai. Nunca era fácil perder um filho, mesmo quando ele era um idiota, canalha e mulherengo.

— Esperamos que você esteja apto para assumir. — o Imperador disse, depois de algum tempo. — Amanhã reuniremos os magistrados. Tornaremos oficial a sua investidura.

Aquelas eram as palavras que todo príncipe deseja ouvir. Não eram?

Otto já tinha uma resposta pronta, ensaiada mil vezes no caminho.

— Gostaria que isso pudesse ter sido feito em um momento menos trágico, meu pai, mas será uma honra servir ao senhor e ao nosso reino.

Os olhos de Pai do Imperador se transformaram em olhos de Líder. Gaja Navani possuía a peculiar habilidade de reconhecer o que havia de melhor e o que havia de pior nas pessoas. Essa habilidade perpassava o âmbito privado e a política, e se estendia para os territórios. Era por isso que o Império Navânida havia crescido tanto sob seu poder e era por isso que ele era o Imperador há tantos anos. Então, é claro que ele sabia reconhecer a inverdade por baixo daquelas palavras. Talvez, ele soubesse melhor do que ninguém as intenções do próprio filho. Por causa disso, elas o convenceram, no fim das contas.

O Despertar da FênixOnde histórias criam vida. Descubra agora